*Alexsandro Alves
Poemoides, de João Andrade, Natal (RN), Unilivreira, 2023, 230 páginas, é o novo livro do poeta potiguar.
A primeira coisa que me surpreendeu foi táctil: um livro de poemas em versos livres com mais de 200 páginas! Claro que quantidade não significa qualidade, mas impressiona.
“Poemoides”, lemos, são textos semelhantes a poemas. Não são poemas propriamente, mas respiram a necessidade de se fazerem poemas.
E assim, o que temos nesse livro é um diálogo poético com vários autores, pelo intelecto de João Andrade. A cada verso, o poeta apresenta-nos sua degustação de outros poetas e também de pensadores e músicos.
Essa degustação da alteridade, não tanto uma antropofagia oswaldiana, mas um banquete civilizado, embora o poeta insista e derrape em uma certa revolta, por vezes, inocentemente juvenil, como em Minha alma te olha apaixonada / e meus olhos te lambem a cada piscada, dos Dísticos, página 34. Devemos prestar atenção nesses momentos, de frases feitas, para não misturar com a excelente poesia e prosa filosófica que há em outras muitas páginas.
O banquete é dividido pelos números de versos das estrofes: os poemas são reunidos em grandes blocos denominados: monósticos, dísticos, tercetos, quartetos, quintetos, sextetos, heptetos, octetos, nonetos, décimas, 11 versos, 12 versos, 13 versos, 14 versos – não confundir com soneto, que não se apresenta enquanto forma na obra.
E em cada parte, temos poesia, mas também filosofia. Esse ponto é importante pois o poeta envereda por frases que não são de fato poemas, são aforismos, à maneira de Nietzsche. Como em A gente não vive / apenas pelos nossos motivos. / Viver é um ato coletivo, dos Tercetos, página 58. Há vários momentos assim, onde há um sentimento com potência para o poético, mas que são frases em prosa, todavia desmembradas. Essa característica desse livro o aproxima daquela prosa estilística de Nietzsche – que é presença constante em muitos poemas e frases desmembradas ao longo do livro.
Nem tudo, portanto, é poema aqui: há aforismos saltitando em cada página – e marcam excelentes momentos na obra, talvez por isso o neologismo que a intitula. Nietzsche abriu o caminho em muitos de João Andrade, não apenas aqui, mas em outras obras poéticas e em sua prosa.
O diálogo à mesa de João Andrade ocorre com uma infinidade de carnes de primeira, Pessoa, Bandeira, Camus, Marcos Campos, Olavo Bilac, por vezes mistura em seu prato Nietzsche e Camus, como em Andar a esmo, dos Tercetos, página 72, ou Nietzsche e Zé Ramalho, como em Sempre que vou ver se estou na esquina, dos Tercetos, página 67.
Há uma carga forte de erotismo em vários poemas, sobretudo quando degusta Marcos Campos, poeta potiguar contemporâneo, como em Nós nus, aos abraços, desatando nós,/ apertando laços, dos Dísticos, página 34; e sobretudo em A dor que mora em mim, dos Quartetos, página 89. O primeiro e o segundo versos são puro João Andrade, nos dois últimos, Campos se faz presente nesse percurso que se inicia na alma e termina na carne.
Nem tudo em mim é rima, dos Quintetos, página 131, e Tudo vale a pena, dos Octetos, página 189, mostra João Andrade no melhor que sempre faz: um poeta sempre no fio da navalha, se automutilando em palavras rasgadas, e regadas com um sabor agridoce que quanto mais leve, mais desaba.
No melhor de sua poesia, este poeta é semelhante a um homem que rasgou os pulsos e deitou-se na banheira, ele se mostra assim, mutilado, mas tranquilo, ganhando mais vida à medida que permite que observemos seu sangue escorrer.
A alma rasgada e mutilada a escorrer na banheira de carne.