*Alexsandro Alves
A literatura e a filosofia ora são filhas de um determinado contexto político, ora são seus pais. Não podemos, nessas duas áreas, separar o que se escreve e o que se pensa do que se está socialmente em prática, há uma simbiose entre literatura, filosofia e política. Há de se questionar, até mesmo com espanto: mas se tudo é política, logo há relação, até óbvia, entre tudo isso? Primeiro, nem sempre tudo é política; segundo, essa relação, “óbvia”, não ocorre, por exemplo, com a música (me refiro à música erudita, sempre muito mais resistente à contemporaneidade do que as outras artes); terceiro: a contemporaneidade tornou tudo apêndice de projetos políticos, que devemos questionar se ainda há espaço para literatura ser literatura. É como se essa relação “óbvia” fosse mais necessidade do momento do que algo de fato em si.
Essa contemporaneidade, ou pós-modernidade, que tem como característica principal a diluição entre qualquer fronteira, se inicia com as vanguardas estéticas modernas do início do século XX. Porém crescem a tal ponto que acabam por exigir comportamentos políticos incisivos, se alastrando socialmente ao extrapolar o domínio exclusivo da contemplação. De fato, qualquer contestação é um movimento político e esses movimentos modernistas assumiram isso como nunca a arte fez antes. Tomemos, por exemplo, o Futurismo, de Marinetti, idolatrado pelos modernistas brasileiros, alçado a ser uma contraparte estética do Fascismo.
Essas ondas de contestação artística se transformariam, década após década, em contestação política, explodindo no dia 2 de maio de 1968 em Paris. A partir desse acontecimento, a modernidade se esvai e os jovens parisienses do período apresentaram ao mundo a pós-modernidade. Maio de 68 foi o início mais marcante do fim do Ocidente, que dura até hoje. 54 anos depois. O que podemos retirar da desordem civil ocorrida nas ruas parisienses em maio de 68?
Primeiro, a indefinição das fronteiras; segundo, a necessidade de mudar a linguagem; terceiro, o relativismo cultural e quarto, a perda do indivíduo e do universal.
Esses quatro temas são a base da arte contemporânea e também da atual política. Mais do que nunca essas duas forças humanas se convergem. São os temas da pós-modernidade, às vezes têm outros nomes, mas suas intenções não mudam. Mas, ao abraçarem esses temas, o que criaram, tanto literariamente quanto politicamente? É isso o que tratarei aqui e nos próximos quatro artigos.
Maio de 68 divide opiniões. Foi tomado como um modelo de revolução popular, inicialmente. Porém, já se comprova a intervenção e o apoio da CIA – de Gaulle havia, desde 1964, reestabelecido relações com Cuba e com outros países latino-americanos. Não é estranho que filósofos de esquerda como Sartre tenham apoiado o levante? Adorno, sempre bem mais sério do que o francês, não apoiaria o movimento, o que ocasionou a suspensão de suas aulas, devido às invasões de discentes em protestos. E Adorno estava certo. O legado de maio de 68 vai além de um libertarianismo de cunho sexual contestador e se instaura na economia, gerando, ora vejam, o neoliberalismo e, nos movimentos sociais, o identitarismo, que também toca na literatura – quem imaginaria que são irmãos, filhos do mesmo levante, uma doutrina econômica de direita e uma teoria social de esquerda? Hoje, o legado de maio de 68 é reivindicado pela esquerda.
O filósofo britânico Roger Scruton estava em Paris nos dias de maio de 68 e lembra da algazarra nas ruas: carros e lojas destruídos, bombas, greves, escolas e universidades invadidas. Scruton, ironicamente, lembra que “eram jovens das classes médias altas que afirmavam falar pelo proletariado”.
(continua).