*Francisca Moura
O que têm em comum dois países tão distintos: continentes diferentes, separados por uma distância superior a 7 mil Km, um com um território de mais de 8 milhões de Km2 e cerca de 200 milhões de habitantes, outro com um território na ordem dos 92 mil Km2 e pouco mais de 11 milhões de habitantes? Bem-sabido que o primeiro corresponde ao Brasil e o segundo a Portugal, países soberanos, com relações que já duram há mais de quatro séculos e que estão hoje plasmadas em tratados de amizade e cooperação, acordos entre serviços, protocolos de colaboração, memorandos de entendimento, convénios… uma generosa panóplia de instrumentos políticos e diplomáticos que procuram preservar e tirar partido do expoente destas duas nações, grandiosas, cada uma à sua maneira.
Em “Portugueses do Brasil & Brasileiros de Portugal” (Oficina do Livro, 2016), Leonor Xavier estabelece conversas com dezoito personalidades portuguesas e brasileiras, revelando o seu pensamento e experiência relativamente às respectivas origens e ao país irmão com o qual, nas mais diversas circunstâncias, contactaram. Uma conversa “longa, envolvente e divertida” com Agostinho da Silva, uma mais breve – mas ainda assim intensa – com António Alçada Baptista, de passagem pelo Rio, em casa de amigos; com Caetano Veloso, para quem “a língua portuguesa foi matéria-prima, personagem de ficção e autoria, a partilha foi envolvente, sedutora e iluminada, como o próprio entrevistado. De Carlos Drummond de Andrade colhe-se a preciosidade do seu pensamento e da oportunidade da conversa, de tão raras que foram as entrevistas que concedeu, levando Leonor Xavier a preservar todas as modulações e formas das suas palavras. Junto de Fernanda Montenegro e Júlio Pomar o encontro foi também com a inspiração e a percepção do que em termos culturais nos une e nos separa.
Estes são apenas seis do leque disponível de entrevistados por Leonor Xavier, fundamentalmente nas décadas de 80 e 90, muitos com ligação às artes, mas também diplomatas, gente com perspectiva bilateral e um sentido crítico construído com base no olhar dirigido ao seu próprio país e a experiências de deleite e encanto mútuo. São dezoito nomes alinhados por ordem alfabética, numa sequência arbitrária de apresentação de conteúdos e de conversas, em cujos discursos a autora extrai traços de história e de cultura dos dois países, sentindo-se “garimpeira de gente” dedicada à procura das pessoas e das suas histórias de vida. Conheceu bem os seus entrevistados, com os quais conviveu durante anos. Escolheu-os pela variedade, personalidade e histórias contadas. Na introdução do livro pressente-se que outras conversas ficaram por revelar, permanecendo aberta a porta à continuidade e à longevidade desta empreitada que faz de Leonor Xavier uma mulher que lança pontes entre o melhor destes dois mundos.
A história luso-brasileira revela que a relação entre os dois países, Brasil e Portugal, está longe de ser linear. O Brasil apresenta uma história condicionada por 322 anos de ocupação portuguesa. Hoje, 194 anos depois, persistem compromissos políticos e económicos, ligações culturais e familiares, relações emocionais muito para além dos limites e fronteiras traçadas. Feita de experiências, algumas das quais pouco pacíficas, a forma como brasileiros reconhecem Portugal e portugueses se posicionam perante o Brasil é ambivalente, oscilante entre o reconhecimento da influência e ganho cultural e os ressentimentos pelos ganhos e perdas de domínios e recursos.
Os dois países continuam vinculados por uma língua comum e por uma ancestralidade capaz de superar alguma falta de comunicação, por vezes existente, entre instâncias formais. Leonor Xavier, jornalista e escritora portuguesa, ela própria com uma história pessoal e familiarmente ligada a Portugal e ao Brasil, serviu-se da sua própria vivência para realçar a riqueza desta ligação entre Portugal e Brasil, entre portugueses e brasileiros. Em 2010, com o romance “Casas contadas”, havia já partilhado com o leitor o retrato destes dois mundos tão diversos, entre os quais repartiu a sua própria vida e que conseguiu conciliar como ninguém.