*Alexsandro Alves
Há 55 anos atrás, em 28 de junho de 1969, Nova Iorque conhecera a maior revolta popular de sua História. E o mais interessante, não foi um movimento arquitetado, foi espontâneo.
Na época, gays estavam na lista de inimigos e traidores em potencial dos Estados Unidos por serem “altamente susceptíveis” …
Nas imediações de Greenwich Village, em Nova Iorque, está localizado o bar Stonewall Inn, na época da revolta, o estabelecimento era controlado pela máfia italiana de Nova Iorque. Tony Lauria, conhecido como “Fat Tony”, era um grande mafioso na cidade que viu na crescente, porém segregada e silenciada, comunidade gay nova-iorquina, a oportunidade de excelentes negócios. E assim foi.
As batidas da polícia ao restaurante de Fat eram anunciadas com antecedência e, assim, o capo tomava certas providências: a iluminação do ambiente, composta por luzes de gel pulsantes ou luzes negras, de pouca iluminação, eram substituídas por luzes brancas, a decoração, de quadros com temática homoafetiva era retirada e, nos dias de inspeção, travestis eram proibidos de entrar: o ambiente se transfigurava em um restaurante tradicional. Fat fazia parte da Família Genovesa, a mais poderosa família mafiosa de Nova Iorque. Por conta disso, ele comprava a polícia com substanciais somas em dinheiro para que Stonewall Inn vendesse bebidas alcoólicas e também, para que fossem afrouxadas algumas leis que proibiam a entrada de menores, em dias normais, a presença de adolescentes em situação de rua era comum no estabelecimento de Fat.
Porém algo deu errado. Uma batida policial sem aviso surpreendeu o grande mafioso. Policiais invadiram Stonewall Inn e apreenderam bebidas alcoólicas, adolescentes, travestis – o próprio Fat foi levado à delegacia. No lado de fora, uma multidão aplaudia a batida policial enquanto uma outra vaiava e jogava latas de cerveja nos policiais.
Ao chegarem na delegacia, vários homens foram liberados, mas não foram para casa. Fora da delegacia, uma multidão de pessoas gays e lésbicas aguardava suas saídas. Essa multidão que se formara já em Stonewall Inn e seguira os camburões até a delegacia. A confusão começou quando se ouviu, ninguém sabe de onde, do meio da multidão: “power gay!”.
Nas noites seguintes, na área de Stonewall Inn, a polícia conheceria a força e a revolta de uma comunidade de desconhecidos, mas que eram um pelas mesmas experiências sofridas de repressão e preconceito.
Com a resistência dos frequentadores e a intervenção da família de Fat, a polícia precisou rever seus métodos autoritários. Aos poucos, o restaurante e as adjacências se viram livres da ação policial. Stonewall Inn se tornou símbolo da luta contra a discriminação sexual e o estabelecimento funciona até os dias de hoje.
Algumas considerações que ninguém faz.
As revoltas de Stonewall Inn estão circunscritas pelas revoltas raciais e liberação sexual nos anos 60, nos Estados Unidos. Martin Luther King, hippies, crítica à Guerra do Vietnã. Esse panorama histórico de indivíduos se opondo a um sistema inteiro e permanecendo vivas, é capitalista. Em outras realidades, estes indivíduos estariam em gulags (URSS), ou em experimentos de eugenia para se criar o homem socialista ideal (Cuba).
Karl Marx afirmava que o capitalismo seria corroído em suas bases por suas próprias contradições. Todavia, as contradições do capitalismo, e são muitas, apenas reforçam o sistema, na medida em que o mesmo se reinventa, se adapta. Stonewall Inn só seria possível em uma sociedade como a estadunidense. Onde o livre mercado atua para fazer explodir mudanças e dar visibilidade a quem não tem. Porque qualquer conquista social é antes uma necessidade de mercado.
Isto não diminui a importância de Stonewall. Apenas coloca-o no lugar em que nunca saiu, mas que pouco se nota. Stonewall Inn foi um movimento dentro do capitalismo burguês; o estabelecimento ainda funciona, mas hoje dentro de todas as regras e normas comerciais tradicionais: aquela revolta, como ocorre com qualquer revolta bem-sucedida no sistema burguês, se institucionalizou. É parada obrigatória para turistas, há monumentos em sua homenagem, é o mercado. Homens e mulheres gays e não gays frequentam o local em paz. Na paz que o livre mercado oferece.
E a luta gay hoje?
A inserção no mercado sem disfarces, a visibilidade que revoltas como a de Stonewall Inn trouxeram e o seu legado simbólico não podem e jamais serão menosprezados. Hoje, porém, a vivência homoafetiva é muito destoante daquela dos anos 60. As crianças nascidas no século XXI possuem uma fluidez de gênero que a minha geração não possuía. É uma outra mentalidade e uma outra maneira de encarar a sociedade e suas relações. Já há uma aceitação maior, amplamente maior, mas sem ilusão, a permanência do preconceito também assume outras faces.
Questões que eram periféricas nos anos 60, como casamento e adoção de filhos, tornaram-se centrais; já questões como “sair do armário”, parecem velharias – os jovens do século XXI, ao que parece, sempre “estão”, nunca “são”, se metamorfoseiam as sexualidades e os gêneros e com isso também os comportamentos, são como eternas novas borboletas saindo de casulos que se tornam velhos da noite para o dia.
E há os transexuais, essa nova categoria sexual que detona qualquer pensamento anterior sobre sexualidade, sobre gênero e sobre comportamento. O movimento gay, até os anos 60 e imediatamente pós Stonewall Inn viveu seu momento newtoniano, hoje, as questões são quânticas.