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Prática abafatória

Procurador regional da República aposentado discute prática perniciosa que se tornou rotineira e gera desconfiança no Judiciário brasileiro

Edilson Alves de França

Definida como ação refratária à ideia de divulgação, elucidação ou esclarecimento de uma conduta indevida, a prática abafatória, ultimamente, tem sido objeto de discutida paternidade. Garantem alguns que essa tentativa de inibir ações apuratórias seria “coisa do passado”, do tempo em que os sinais ou indícios de desvios, negociatas, subornos e propinas eram abafados ou distraidamente “engavetados”. Outros, ao contrário, apontam conhecidos episódios atuais como exemplos da utilização de autoridades ou instituições com o objetivo de abafar a repercussão em torno de determinada conduta ilícita.

O fato é que, no campo dos denominados “malfeitos”, acusações recíprocas de práticas abafatórias têm se tornado comum, servindo, não raramente, como complemento de teses defensivas.  Não faz muito tempo que, em pleno auge de uma ação investigatória, a Revista Veja, em matéria de capa, estampou afirmação atribuída a um exonerado Advogado-Geral da União, posta no sentido de que “o governo quer abafar a lava-jato.”1

A verdade é que a tentativa de abafar um malfeito ou blindar investigados tem se tornado, ao longo do tempo, prática disseminada, sem exclusividade partidária ou institucional. A propósito, de modo a revelar a amplitude da incidência desse expediente, um ex-presidente de conhecida empreiteira confessou “…ter pago R$ 2,5 milhões em propinas(…),visando abafar a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, aberta em 2014 para apurar o esquema de corrupção na Petrobrás…”²

Noutra perspectiva vocabular, mas ainda no que concerne ao verbo abafar, merece registro o fato de também ser vulgarmente empregado como sinônimo de furtar ou roubar algo material. Nesse sentido, desponta como pitoresco e histórico exemplo, o fato de Aparício Torelly, o sempre lembrado “Barão de Itararé”, com sua inesquecível verve, denunciar que “os irmãos Konder… resolveram abafar 600 contos de réis”, destinados ao jornal “A Manha”, por ocasião do transporte desse valor por navio do Loyd Brasileiro3.

Acresça-se, em apoio a essa polissemia verbal, que no vocabulário gírio, onde a referência a corruptos aparece com frequência, o adjetivo “abafador” tem sido empregado como sinônimo de gatuno ou ladrão. É o que se obtém de oportuno registro efetuado por Ariel Tacla4, na primeira edição do seu Dicionário dos Marginais, merecidamente prestigiado por alentado prefácio do jornalista  Carlos Lacerda.

1 – Cf.  Edição 2495, ano 49, nº 37, de 14/09/2016, ps. 45/47

2 – Notícia veiculada pelo Novo Jornal/RN, edição de 14/09/2016, p. A 2

3 – O episódio é revelado no opúsculo denominado Antologia d’A Manha. Agência Studiama Ltda. RJ: Organizado por Furtuna, p. 44.

4 – Ob. Cit. Editora Forense Universitária LTDA, RJ: 1ª edição, p. 28.

Edilson Alves de França, ex-procurador regional da República, ex-subprocurador-geral da República e professor de pós-graduação em direito na UFRN, é autor do livro “Teoria e Prática dos Prazos Eleitorais” (FeedBack; 350 págs.; 2014).