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Quadrinhos e adaptação literária

Poderia a adaptação de obras literárias em Quadrinhos incentivar a leitura? Eis uma importante questão colocada em artigo de pesquisador e Colaborador de Navegos.

*Renato de Medeiros Jota

Não é novidade uma mídia visual como o cinema adaptar para a película obras literárias, essa prática é bem comum e saudável do ponto de vista do incentivo ao publico a ler o livro e ao mesmo tempo vê-la adaptada para cinema. Logicamente é impossível não fazer comparações, algumas vezes um filme fica inferior a obra literária, como no caso da Ilha do doutor Moreau baseada no livro de H.G. Well e em outras a película fica melhor, do ponto de vista do público, do que o livro, como por exemplo, o alto da compadecida de Ariano Suassuna.

Como diz o ditado “adaptar é trair” significa que nem toda literatura se sai bem sendo adaptada para outra mídia. Essas conclusões poderiam ser as mesmas que temos com adaptações da literatura para os quadrinhos. Em ambos os casos sempre tem que fazermos concessões e escolhas difíceis para poder adequar ao “modelo” cinematográfico e dos quadrinhos já que cada uma tem suas peculiaridades.

Nesse sentido, especificamente nas adaptações da literatura brasileira para os quadrinhos temos excelentes exemplos que acertaram na forma e conteúdo sendo um ótimo caminho para o incentivo da leitura de livros e quadrinhos. Muito se fala sobre a baixa quantidade de leitura que os brasileiros têm e os motivos disso acontecer que vão desde o preço dos livros até a falta de incentivo da sociedade e do governo para mudar tal situação. Os motivos para não se ler livros são muitos, considerando inclusive que isso é um problema sério para uma nação já que a leitura ajuda na alfabetização e amadurecimento intelectual de um povo. Já para os quadrinhos, uma mídia que surgiu da junção entre imagem e roteiro tornou-se um modelo atrativo para jovens e adultos, mas com os elevados preços deixou de atingir grande parte da população, virando algo bem mais restrito a uma parcela da sociedade.

Mas o que desejo mostrar é a necessidade de expandir o hábito de leitura para a maior parte da população do país e os quadrinhos é a melhor forma do primeiro contato que o leitor teria com a literatura brasileira e universal. Devido sua capacidade de atrair a atenção de jovens leitores capturados hoje em dia pelos vídeogames de última geração e pelas variadas distrações que capturam sua atenção hoje em dia.

Como mostrei acima, a dificuldade e conseguir adaptar sem perder o conteúdo das obras base para as páginas dos quadrinhos, o que sempre é difícil de fazer. Mas existem exemplos de obras literárias adaptadas para quadrinhos que conseguiram não só representar da melhor maneira a obra fonte como acrescentaram graficamente outras formas de interpretar situações, emoções e conflitos em suas páginas. Nesse sentido qual o segredo de uma obra literária ser bem ou não adaptada para quadrinhos? Adaptar uma obra literária é muito difícil, seja no cinema ou mesmo no teatro, mas o que se constata é que seguir os cânones literários não funciona já que “adaptações” são necessárias para viabilizar sua representação em qualquer mídia. Nos quadrinhos os ilustradores e roteiristas têm de fazer escolhas que muitas vezes são necessárias para representar em suas páginas a obra literária fonte. Muitas obras literárias que foram adaptadas para quadrinhos buscam seguir o máximo possível a obra fonte de adaptação, alguns casos pontuais se adapta o mínimo possível, mas sempre seguindo o texto original.

Autores que falei pessoalmente como Shiko e Marcello Quintanilha me revelaram que para produzir suas adaptações para o quadrinho, procuraram sempre seguir o texto original. No caso de Shiko ele adaptou para o quadrinho o livro de Rachel de Queiroz “O quinze’, já Marcello Quintanilha adaptou para o quadrinho “O Ateneu” de Raul de Pompeia. Ambos confessam que leram várias vezes às obras adaptadas para poder absorver o máximo possível do conteúdo da obra ao mesmo tempo tentaram manter o conteúdo escrito do autor original.

Ambos revelam que ler as obras foi muito importante para fazer à adaptação além de revê-las anos depois de as terem lidas e que ganhou novos significados com esse reencontro. Existem novas adaptações de escritores contemporâneos como Márcio Benjamin e sua obra Maldito Sertão que foi adaptada pelo coletivo Quadro9 para quadrinhos.  Os ilustradores/escritores desse coletivo concordam que a leitura estimula a produção e a formação do leitor, aliás ela é imprescindível também para o enriquecimento intelectual e pessoal do publico leitor.

O coletivo trabalhou na adaptação dos contos de Márcio Benjamin procurando manter a “essência” da obra, tendo a supervisão e liberdade concedida do próprio autor o que foi de extrema importância para o sucesso da adaptação. É o que conclui Leandro Moura, Mário Rasec, Cristal e Rodrigo Xavier membros do coletivo Quadro9, responsáveis pela adaptação do Maldito Sertão. O desafio afirma Leandro e Mario Rasec, nesse caso, foi ter o cuidado de casar a narrativa gráfica com a escrita de Márcio Benjamin, um grande desafio para quem vai adaptar qualquer obra ou até mesmo traduzir uma obra literária de um idioma que não é o nosso para o português.

A palavra traduzir é interessante aqui, porque a linguagem dos quadrinhos se assemelha a tentativa de tradução de palavras em um amalgama que envolve imagem/letras, nesse caso, os quadrinhos. Nesse último caso, a dificuldade é dupla, devido á imagem poder sintetizar a essência das palavras em imagem, mas isso tem de ser certeira, porque pode deturpar a mensagem reproduzida. Já o roteiro tem de ser “cirúrgico” na escolha das partes representadas nas páginas das HQs, mesmo quando se adapta, cortando partes que podiam ser representados pela ilustração, o roteirista da hq pode errar na escolha dos trechos representados nas folhas.

Esse tipo de “transposição” torna-se um desafio pelo engessamento do artista, pois requer algumas vezes a licença poética para capturar a mensagem dita em palavras numa imagem representativa daquele sentimento descrito em frases. A dificuldade em toda adaptação seja no cinema, livro em outro idioma ou adaptação do quadrinho é a possibilidade nada pequena, de se errar na forma de tradução do que pela própria arte que vá representá-la. Todas essas questões são importantes para se adaptar uma obra, mas o que a torna válida é o acesso de todos a seu conhecimento e nisso o quadrinho é um caminho oportuno para divulgação não só da obra como de si mesmo. Essa é uma ótima razão para validar essa comunhão entre mídias e essencial para a cultura em geral. Espero que tenha contribuído para o entendimento dessa reflexão. Valeu a leitura a todos.