• search
  • Entrar — Criar Conta

Quando caminho pela cidade.

Colaborador de Navegos homenageia cronista de Mossoró, Flávia Arruda, cujo texto evoca seus passeios pela cidade e a imprescindível pausa para um cafezinho.

*Francisco Alexsandro Soares Alves.

[email protected]

Uma sensação vazia, como que perdida em mim; procurada, repleta de olhares, devaneando. Me param carros, e pássaros que não vejo tentam interpretar minha solidão em meio ao caos urbano, fuligem e palavras que soam como polifonia barroca herética, da desordem que organiza e que gera a paz. Como amo as ruelas e os becos da cidade. Cada escombro, compassos, pedaços que faltam em mim; cada buzina, cacofonia, estridências do desassossego o e da tristeza, que me partem, me dividem e me completam, dentro desse organismo que é alheio até a si próprio. Centro da cidade. O que é mais absurdo e amado em ti, é o mar de solidões que lado a lado caminham em tuas calçadas. Solidão do encontro, solidão da perda, solidão do atravessar a rua no sinal aberto, correndo da morte quando se optou por encontrá-la. Solidão do voltar para casa no ônibus lotado de solidões revividas. No mesmo horário, no mesmo ônibus, todos os dias, as mesmas solidões, programadas para encontraram-se, nos silêncios gritados dos cansaços. Eu caminho pela cidade. Alma solitária acompanhada de milhões de outras almas solitárias, cada uma, cada um, só.

Que olhar pode falar sobre esse abandono?

Imagino tudo o que antecede a esse caos.

A paz de uma manhã, onde despertos, sentamos à mesa para um café. Para lermos um jornal ou revista virtual, pintando as primeiras tintas do dia. O cheiro do café é irmão do cheiro das manhãs. Em sua tranquilidade, são irmãos. Em seu vapor são irmãos de personalidades opostas. Porém são irmãos. A manhã fria e o aroma quente do café. Como combina este aroma com a luz da manhã. Quem sabe, e isso pode ser delírio deste escriba, deste crítico, Alphonsus de Guimaraens, não estava absorto assim quando disse “Tem cheiro a luz, a manhã nasce!” Imagino que uma manhã sem café não é uma manhã que valha a pena!

E sabem o que tem aquele aroma de café? Café quentinho, gostoso? Uma crônica. E uma boa crônica precisa ter esse aroma de conforto que uma manhã com café oferta.

Sem nos desvencilharmos das preocupações, a crônica pode nos fazer voar! E também pode nos fazer pousar em uma realidade cruel.

Porém o olhar de um cronista, este poeta dos acontecimentos que passam despercebidos no caos da cidade, seja sobre um mendigo, seja sobre o C160 Compressor, ou mesmo sobre uma xícara de café! O cronista percebe no detalhe, no fractal, seu motivo de espanto ante a existência.

Flávia Arruda é cronista do Jornal de Fato, de Mossoró e do blog Ponto de Vista, de Nelson Freire. Suas crônicas contém a leveza e a graça – e o cuidado, de uma escriba perspicaz. Seus pontos de vista são delicados, porém sempre certeiros, como os passos de uma bailarina: firmes e delicados. Mulher forte, é pedagoga, e são admiráveis em seus textos, a simplicidade e a verdade que deles emanam. Não falam através de imagens forçadas, nem sentimentalistas.

Não há pieguismo. É o olhar de uma mulher. Pleno olhar de mulher. Tudo parte de um ponto de vista cuja agudeza se mescla a alma feminina para ofertar-nos seu café matinal. E quando tomamos, nos tornamos cúmplices desse olhar pleno de verdade e de poesia. E há uma poesia, uma poesia da vida moderna, desta vida tão árida, tão dividida e tão burocrática. E que é poesia por justamente contradizer a vida moderna. Como que esquecêssemos da pressa, e no meio da solidão, simplesmente, regássemos a aridez com a manhã cheirosa do café quente. A crônica de Flávia Arruda é a delicadeza deste aroma. É tomar o café matinal em qualquer momento do  dia. Que felicidade é termos uma cronista deste porte. Obrigado, Flávia Arruda, por inscrever-se em minhas solidões, por suas crônicas. Dedico a você o que escrevi aqui.