*Virginia Woolf
À medida que envelhecemos, adquirimos, graças à razão, um maior poder de encontrar explicações, e a explicação amortece a força do golpe do martelo de um ferreiro. Acredito que isso seja verdade, pois embora eu tenha a característica de receber esses golpes repentinos, agora eles são sempre bem-vindos; Após a primeira surpresa, sempre sinto instantaneamente que eles são especialmente valiosos. E a partir daí presumo que minha capacidade de receber golpes é o que me torna um escritor. A título de explicação, atrevo-me a dizer que no meu caso o golpe é sempre seguido da vontade de o explicar. Sinto que levei um golpe. Mas não é, como acontecia quando eu era criança, simplesmente um golpe desferido por um inimigo escondido atrás do algodão cru da vida quotidiana; é, ou se tornará, uma revelação de certa ordem. É sinal da existência de algo real que está por trás das aparências; e eu o torno real expressando-o em palavras. Somente colocando-o em palavras é que lhe dou o caráter de algo completo, e essa totalidade significa que ele perdeu o poder de me causar dano. É para mim um grande prazer juntar as partes separadas. Talvez seja porque isso elimina a dor. Talvez seja o prazer mais forte que conheço. É a emoção que sinto ao escrever. Tenho a sensação de descobrir o que pertence a quê, acertar uma cena, completar um personagem. A partir daí chego ao que bem poderia ser chamado de filosofia, em todo caso é uma ideia constante em mim; a ideia de que por trás do algodão se esconde um modelo, uma estampa; que nós – e quero dizer todos os seres humanos – estamos relacionados com isso; que o mundo inteiro é uma obra de arte, que fazemos parte de uma obra de arte. Hamlet ou um quarteto de Beethoven são a verdade sobre aquela vasta massa que chamamos de mundo. Mas não existe Shakespeare, não existe Beethoven; com toda certeza e retumbantemente, Deus não existe; nós somos as palavras; nós somos a música; nós somos a coisa em si. E vejo isso quando recebo um golpe.
Virginia Woolf
Momentos de vida