*Amiri Baraka
PREFÁCIO PARA UM BILHETE SUICIDA DE VINTE VOLUMES
Ultimamente, tenho me acostumado ao jeito
Com que o chão se abre e me engole
Cada vez que saio para passear com o cão.
Ou a singela música cortante que o vento faz
quando corro para alcançar o ônibus…
As coisas chegaram a esse ponto.
E agora, a cada noite conto as estrelas.
E a cada noite obtenho o mesmo número.
E quando elas não se mostram para serem contadas,
Conto os buracos que deixam.
Ninguém canta mais.
Então, na noite passada subi na ponta dos pés
Rumo ao quarto da minha filha e a escutei
Conversando com alguém, e quando abri
A porta, não havia ninguém ali…
Apenas ela, ajoelhada, espiando dentro
De suas próprias mãos fechadas.
Tradução de Leonardo Morais.
***
BABILÔNIA REVISITADA
A coisa abatida
sem órgãos
rasteja pelas ruas
da Europa, ela será
indultada, com seu vestido de morcego emplumado
sem órgãos
com feridas em seu interior
até a cabeça dela
uma vasta câmara de pus
de memórias vu(lvares)rmosas
sem órgãos
nada para fazer bebês
ela será a grande bruxa da lenda euroamericana
a que sugou a vida
de algum negro desconhecido
cujo nome será conhecido
mas cuja substância nunca será
nem mesmo por ele
que jaz em um pilha de dermonarcóticos.
Esta vadia matou um amigo meu chamado Bob Thompson
um pintor negro, um gigante, certa vez, ela foi reduzida
a uma pífia imitação marica
cheia de buracos Americanos e um macaco em suas costas
estapeou aviões
lá do empire state building
Que esta vadia e suas irmãs, todas elas,
recebam minhas palavras
em todos os seus orifícios como soda cáustica misturada com
cocola e xarope alaga
Sintam essa merda, vadias, sintam, agora riam essas suas
risadas histerectomizadas
enquanto suas carnes queimam
e seus olhos se atentam à lama vermelha.
***
POEMA QUE ALGUNS TERÃO QUE ENTENDER
Sujas e opacas janelas dos olhos
e edifícios de esforço. Que
esforço faço eu? Um menino
preto e esperto, a 3 quilômetros da sua
casa. Não faço nenhum esforço.
Já não sou motivo de orgulho
pra minha raça. Leio um pouco,
trabalho contra o silêncio lentas tardes
de primavera.
Pensei, antes, alguns anos atrás
que chegaria ao fim da minha vida.
Ego de aquarela. Sem a exatidão
que um homem violento poderia oferecer.
Mas a sorte, e as sortes,
Não nos abandonarão. Toda a fantasia
e justiça, e invernos de carvão seco
Todos os cidadãos lamentavelmente inteligentes
Que me forcei a amar.
Esperávamos a vinda de um fenômeno
natural. Místicos e românticos, versados
trabalhadores
da terra.
Mas nenhum veio.
(Repita)
mas nenhum veio.
Metralhadores, por favor, podem dar um passo à frente?
Tradução de Luci Collin.
***
KA ‘BA
Uma janela fechada sobranceira
olha um pátio sujo, e os negros
a cruzar apelos, gritos, atravessam-no
desafiando a física com a torrente da sua vontade
O nosso mundo está cheio de som
O nosso mundo é mais belo que qualquer outro
embora soframos, e nos matemos uns aos outros
e às vezes nos falhe andar no ar
Somos gente bela
com imaginações africanas
cheios de máscaras, danças e cantos empolgantes
com olhos africanos, e narizes, e braços,
que se abrem com grilhões cinzentos num lugar
cheio de Invernos, e só queremos o sol.
Fomos capturados,
irmãos. E labutamos
para ser livres, para transformar
a imagem antiga, numa nova
correspondência connosco próprios
e com a nossa família negra. Precisamos de magia
precisamos agora dos sortilégios, para nos erguermos
regressar, destruir e criar. Qual será
a palavra sagrada?
Tradução de Helena Barbas