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Quatro poemas de Amiri Baraka

Quatro poemas do poeta estadunidense Amiri Baraka, fundador do movimento literário e contestador nos anos 60 conhecido como “Black art”.

*Amiri Baraka

[email protected]

 

PREFÁCIO PARA UM BILHETE SUICIDA DE VINTE VOLUMES

Ultimamente, tenho me acostumado ao jeito

Com que o chão se abre e me engole

Cada vez que saio para passear com o cão.

Ou a singela música cortante que o vento faz

quando corro para alcançar o ônibus…

As coisas chegaram a esse ponto.

E agora, a cada noite conto as estrelas.

E a cada noite obtenho o mesmo número.

E quando elas não se mostram para serem contadas,

Conto os buracos que deixam.

Ninguém canta mais.

Então, na noite passada subi na ponta dos pés

Rumo ao quarto da minha filha e a escutei

Conversando com alguém, e quando abri

A porta, não havia ninguém ali…

Apenas ela, ajoelhada, espiando dentro

De suas próprias mãos fechadas.

Tradução de Leonardo Morais.

***

 

BABILÔNIA REVISITADA

A coisa abatida
sem órgãos
rasteja pelas ruas
da Europa, ela será
indultada, com seu vestido de morcego emplumado
sem órgãos
com feridas em seu interior
até a cabeça dela
uma vasta câmara de pus
de memórias vu(lvares)rmosas
sem órgãos
nada para fazer bebês
ela será a grande bruxa da lenda euroamericana
a que sugou a vida
de algum negro desconhecido
cujo nome será conhecido
mas cuja substância nunca será
nem mesmo por ele
que jaz em um pilha de dermonarcóticos.

Esta vadia matou um amigo meu chamado Bob Thompson
um pintor negro, um gigante, certa vez, ela foi reduzida
a uma pífia imitação marica
cheia de buracos Americanos e um macaco em suas costas
estapeou aviões
lá do empire state building

Que esta vadia e suas irmãs, todas elas,
recebam minhas palavras
em todos os seus orifícios como soda cáustica misturada com
cocola e xarope alaga

Sintam essa merda, vadias, sintam, agora riam essas suas
risadas histerectomizadas
enquanto suas carnes queimam
e seus olhos se atentam à lama vermelha.

***

 

POEMA QUE ALGUNS TERÃO QUE ENTENDER

Sujas e opacas janelas dos olhos

e edifícios de esforço. Que

esforço faço eu? Um menino

preto e esperto, a 3 quilômetros da sua

casa. Não faço nenhum esforço.

Já não sou motivo de orgulho

pra minha raça. Leio um pouco,

trabalho contra o silêncio lentas tardes

de primavera.

Pensei, antes, alguns anos atrás

que chegaria ao fim da minha vida.

Ego de aquarela. Sem a exatidão

que um homem violento poderia oferecer.

Mas a sorte, e as sortes,

Não nos abandonarão. Toda a fantasia

e justiça, e invernos de carvão seco

Todos os cidadãos lamentavelmente inteligentes

Que me forcei a amar.

Esperávamos a vinda de um fenômeno

natural. Místicos e românticos, versados

trabalhadores

da terra.

Mas nenhum veio.

(Repita)

mas nenhum veio.

Metralhadores, por favor, podem dar um passo à frente?

Tradução de Luci Collin.

***

 

KA ‘BA

Uma janela fechada sobranceira
olha um pátio sujo, e os negros
a cruzar apelos, gritos, atravessam-no
desafiando a física com a torrente da sua vontade

O nosso mundo está cheio de som
O nosso mundo é mais belo que qualquer outro
embora soframos, e nos matemos uns aos outros
e às vezes nos falhe andar no ar

Somos gente bela
com imaginações africanas
cheios de máscaras, danças e cantos empolgantes
com olhos africanos, e narizes, e braços,
que se abrem com grilhões cinzentos num lugar
cheio de Invernos, e só queremos o sol.

Fomos capturados,
irmãos. E labutamos
para ser livres, para transformar
a imagem antiga, numa nova

correspondência connosco próprios
e com a nossa família negra. Precisamos de magia
precisamos agora dos sortilégios, para nos erguermos
regressar, destruir e criar. Qual será

a palavra sagrada?

Tradução de Helena  Barbas