*Edilson Alves de França
A expressão em epígrafe, reveladora de indisfarçável irresignação, é do insuperável Pontes de Miranda, conforme destacou o ex-ministro Aguiar Dias, por ocasião de sua última entrevista gravada pela Tele-jur. O grande jurista alagoano não concebia o fato da justiça brasileira, à época, negar a possibilidade de se obter “compensação reparatória” por danos extrapatrimoniais. A lesão moral, acrescentava em complemento da indagação título, constitui-se algo muito mais grave do que o dano puramente material, nada justificando a negativa judicial da sua reparação ou compensação.
Pois bem, superada a velha e recalcitrante jurisprudência que, de certa forma, prestigiava a ilicitude civil destituída de consequências materiais, os seguidores da malfadada doutrina, encurralados pelo cerco constitucional, vêm esboçando novas e sugestivas formas de obstar a concretização de um avanço, já experimentado por quase todas nações do mundo. Seja através de invencionices processuais, seja montados em interesses pessoais ou em estatísticas duvidosas, destituídas de apoio científico ou social, os novos opositores de uma “sanção civil” para o dano moral vêm mostrando a cara.
Exemplo marcante dessa melancólica tentativa de voltar ao passado pode ser identificado na campanha que toma corpo, sob a falsa ideia de que o templo de Themis estaria sendo invadido e maculado pela “indústria do dano moral”. Aquela mesma “industrialização” que outros improvisados comentaristas vislumbraram no campo das pensões alimentícias, das reclamações trabalhistas, dos mandados de segurança e, mais recentemente, das liminares, entre outros institutos jurídicos que o cidadão espoliado é compelido a fazer uso com mais frequência.
Esquecem os divulgadores dessa nova “maldição jurídica” que não existiria a aventada indústria se não abundasse a correspondente matéria prima. E esta, admitindo-se a cogitada fábrica de danos morais, pode ser encontrada na propagação do desrespeito, do descaso, da desatenção, da afronta, da maledicência, da injúria, da calúnia e do egoísmo, infelizmente comuns nos dias de hoje. Mas o pior dessa oposição ao dano moral é que a ideia disseminada tem alcançado, entre outros, segmentos da imprensa, da magistratura, da advocacia e, até mesmo, da docência improvisada que toma conta das nossas faculdades de direito. Lamentavelmente, esses que papagaiam a tese da indústria do dano moral, por razões óbvias, procuram ocultar o fato de que as ações judiciais se multiplicam, na medida em que a dignidade, a vida privada, a honra, a imagem, a incolumidade física e psicológica das pessoas são desrespeitadas com mais frequência.
Não se faz dificultoso constatar atos, ações e omissões no plano das relações de consumo ou de trabalho, no âmbito jornalístico ou entre o Estado e o cidadão, alimentando o quadro danoso que deflui do desrespeito, da ilicitude, da má-fé ou do abuso do direito. Tão evidentes, que o novo Código Civil dedicou um capítulo inteiro aos direitos da personalidade, já agora, objeto de ampliação através de projeto de lei que altera o artigo 11 do referido estatuto. Em verdade, nunca se violou tanto os direitos individuais e sociais. Nem parece que a Constituição assegura, no seu preâmbulo, a liberdade, a segurança, o bem-estar, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade dita fraterna, pluralista e sem preconceito.
Lastimável, portanto, que ressurjam das cinzas, fantasmas de uma proscrita batalha doutrinária, empunhando armas não convencionais, emprestadas por aliados de duvidosos propósitos. Atenção para as divulgações tendenciosas. A meia verdade é sempre pior do que uma mentira inteira. Ela engana mais. É preciso, portanto, que se repita, se propague, que não esqueçamos que a indústria da maledicência, do desrespeito à lei e à dignidade das pessoas, certamente, se afigura muito mais grave e perigosa para a sociedade do que a remota possibilidade de alguém obter, indevidamente, proveito financeiro de um dano moral.
Depure-se e aperfeiçoe-se o uso do instituto, como pretendem os projetos de lei que mofam no Congresso. Oriente-se melhor os jovens e impetuosos advogados. Humanize-se a sobrecarga de trabalho dos juízes, viabilizando-lhes tempo para reflexões, inclusive, sobre a gravidade da violação aos direitos da personalidade. Torçamos para que os nossos professores universitários, improvisados ou não, preguem, ensinem, conscientizem os futuros profissionais, alertando-lhes que não devemos alimentar a fonte sádica do desprezo e da subestimação da pessoa humana. Conscientizemos todos de que uma evolução legislativa, conquistada a duras penas, não deve ser pulverizada pelo vulgo, pela banalização. Lembremo-nos das lições de Rui Barbosa, Clovis Bevilácqua, Teixeira de Freitas e Orlando Gomes, entre outros luminares do direito que tanto lutaram pelo reconhecimento da reparação do dano moral. Faça-se tudo que for possível. Mas, por favor, não queiram que retornemos ao Talião.
Edilson Alves de França – Procurador Federal aposentado e professor da UFRN.
