*Julio Cortázar
Prezado Onetti:
Mais uma vez encontrei lá tudo*, tudo que faz você ser diferente e único entre nós. A grande maravilha é que o reencontro não envolve a menor repetição ou a menor monotonia. Pareceria quase impossível depois da saturação que seus livros anteriores deixam na memória, mas é assim: tudo é novo novamente sob o sol, apesar do antigo Eclesiastes.
Isso acontece comigo com poucos escritores. Eu leio até certo ponto e aí penso: “gente, vamos em frente, vou me isolar no canto”. Com o passar dos anos, prefiro novos autores, experimento outras marcas de whisky. E… acontece que o seu romance é isso, sempre whisky mas com um sabor igual e diferente. Acontece que mais uma vez você escreveu um grande livro, e o que parecia irrepetível se repete sem se repetir, se me perdoa esse jargão que busca abrir caminho e se confunde um pouco.
Medina, droga. Que cara você é, Onetti. De qualquer forma, vou percorrer bastante o seu livro pelas ruas de Paris (espero que, algum dia, em Buenos Aires).
Um abraço,
Julio Cortázar
Paris, 12 de janeiro de 1980
*Cortázar refere-se ao romance Vamos deixar o vento falar, de Onetti .