*Valterlucio Bessa Campelo
Com origem perdida em tempos imemoriais, ipsis literis ou com variações dependendo da circunstância histórica, a frase “quem não deve, não teme”, vem sendo utilizada ultimamente com bastante frequência para atribuir a qualquer demonstração de medo, uma culpa evidente. É como dizer “se teme, é culpado”, ou, “se fosse inocente, não temeria” e, com isso, condenar o indivíduo pelo sentimento que demonstre perante a atribuição de crimes de qualquer natureza.
Ocorre que a frase proverbial exprime uma sentença cujos pressupostos se assentam em um sistema de justiça necessariamente idôneo. Por exemplo, na Bíblia, em Provérbios 28:1, está escrito: “Os ímpios fogem sem que haja ninguém a persegui-los, mas os justos são corajosos como um leão”, ou seja, o culpado anda com medo, enquanto os inocentes andam com altivez. Sim, mas aí se colocam à presença de Deus, onisciente, justíssimo, infalível. Indiscutivelmente, posto perante Deus, quem não deve, não teme. Para por aqui.
Embora o topo do Sistema seja habitado por uma espécie de deuses-trans, sua presença não oferece segurança aos justos, pelo contrário. Lembremos da senhora presa na Papuda, que se urinou de medo na hora da visita de algumas autoridades ao presídio. Teria sido por culpa que demonstrou tanto temor? Pelo contrário. Sabendo-se inocente, ela tremeu de medo da INJUSTIÇA ali personificada. Em sua mente, abalada por meses de martírio psicológico, provavelmente se viu diante do carrasco e sentiu quebrarem-se os próprios nervos. Já que estamos na semana santa, é oportuno citar o apóstolo Pedro que, amedrontado, negou Jesus três vezes, obviamente, não por culpa.
Pois bem. Especula-se, depois do vazamento criminoso de imagens da embaixada da Hungria, que o ex-presidente Jair Bolsonaro cogitou pedir asilo político àquele país, após lhe tomarem o passaporte (outra indignidade). Apareceu uma versão na web de que o serviço secreto húngaro foi informado de um novo atentado para aqueles dias e o protegeu (não foi confirmada pela Globo, deve ser fake). Certo é que imediatamente após a divulgação da notícia, os “corajosos” lulopetistas correram para o esconderijo de suas redações e bunkers digitais pedindo prisão preventiva e, hipocritamente, acusando-o de fugitivo. O próprio Ministro Alexandre Padilha deu um tempo nas dezenas de processos que responde e referiu-se ao ex-Presidente como fugitivo confesso, ou seja, propagou a ideia de que a visita à embaixada era medo e medo é culpa e culpa implica condenação e condenação só pode ser prisão.
Ora, o medo é, ele mesmo, excluindo-se os psicopatas, inerente ao homem tanto quanto ter cérebro. Duvida? Perguntemos sobre ele a algumas personagens um tanto mais sabidas do que eu e os lulopetistas:
- Sócrates: “A coragem não é a ausência de medo, mas a superação do medo.”
- Platão: “O medo é o início da sabedoria.”
- Sêneca: “A verdadeira coragem reside na capacidade de enfrentar os próprios medos.”
- Confúcio: “O homem corajoso não teme a morte, mas teme não viver de acordo com seus princípios.”
Não bastasse isso, a história é prodiga em revelar grandes nomes que em determinado momento ousaram fugir para não serem aprisionados por regimes ditatoriais. De Ghandi ao Dalai Lama, de Aung San Suu Kyi a Alexei Navalny (recentemente assassinado na Rússia), inúmeros líderes políticos enfrentaram o medo com a coragem de racionalizá-lo e agir com serenidade. Portanto, se não estou enganado, depreciável é aculpa, não o medo.
Sob regimes ditatoriais, a frase “quem não deve, não teme” perde seu significado original e se torna uma ferramenta de propaganda e controle, largamente utilizada para silenciar críticas, legitimar a repressão e manipular a percepção pública. Em tais regimes, a frase não serve para proteger os cidadãos, mas sim para oprimi-los e controlá-los.
Quando anunciam “quem não deve, não teme”, regimes como o que avança sobre os brasileiros, em primeiro lugar se arroga infalível, ou seja, inserem no imaginário popular um “acreditem em nós, somos sábios, justos e imparciais”, para daí em diante se sentirem legitimados e perseguirem sem freios quem se atravessar no caminho. Assim, por cima, no balaio de objetivos dessa gente, pode-se encontrar facilmente: autocensura e submissão; silenciamento de dissidentes; criminalização de opositores; deslegitimação de qualquer forma de resistência; associação dos opositores à culpa e ao medo enfraquecendo-os moralmente; apatia e inação da população. Tudo amparado na frase estendida “somos sábios e justos, quem não deve, não teme”.
Já se disse que sem a funcionalidade do medo, nem mesmo as religiões teriam sobrevivido. O mesmo aplica-se aos regimes ditatoriais. Qual romano não temia Nero? Qual alemão não obedecia a Hitler de olhos fechados? Qual soviético não tremia sob a mira de Stálin? Qual cubano não tinha medo de Fidel? Qual brasileiro não tem medo de Alexandre de Moraes? Qual idiota dirá que não tem medo porque não tem culpa? Nos dias atuais, a culpa é o de menos. Quer saber, pergunte aos vários jornalistas autoexilados, à juíza Ludmila Lins Grillo refugiada nos EUA, à viúva do Clesão, ou, ainda, a cuidadora dona Jupira e a professora aposentada dona Iraci Nagoshi, condenadas com centenas de inocentes, em baciadas jurídicas, por um crime impossível.
Já se vão pelo menos 5 anos que Jair Bolsonaro enfrenta uma caçada sem tréguas, um cerco político-jurídico jamais conhecido em qualquer democracia. Escarafuncharam cada centímetro de seu espaço privado, filtram cada palavra que pronuncia, espionam cada passo que dá e, agora, como clímax da podridão do sistema, querem prendê-lo pelos pensamentos e emoções. Há algum tempo, inaugurou-se no Brasil uma nova doutrina jurídica – a punibilidade da cogitação sem meios de ação (vide 8 de janeiro), o que significa censura do pensamento. “Ex cogitatione mea, culpa oritur”, diria o jurisconsulto de camisa vermelha. E fazem isso das torres de seus palácios, arrotando um saber jurídico que traem de modo vil.
É claro que Bolsonaro tem medo da ditadura lulo-alexandrina. Como não teria? Eles mesmos se gabam em público de terem derrotado o bolsonarismo, são seus inimigos políticos declarados, dia sim dia sim se revezam na mídia para opinarem fora dos autos em um ativismo político exacerbado nos termos da Constituição Federal. Chegam a dar prazo para a sua prisão. Repito. Como não ter medo da injustiça praticada por quem deveria zelar pela justiça?
Alguns camundongos vermelhos que habitam livremente a velha imprensa e as mídias sociais, chegaram a comparar o caso Bolsonaro com o de Lula em 2018. Esqueceram de dizer que Lula foi alvo de trocentas delações aceitas porque provadas, declarações livres de gente do governo, de empresários, de políticos e até de ministros da sua cozinha, como Antonio Palloci. Bilhões de reais afanados dos cofres públicos foram devolvidos. Além disso, se desenvolveram trocentos processos, julgamentos e condenações em várias instâncias, por corrupção e lavagem de dinheiro, rigorosamente respeitado o devido processo legal. Todos “surpreendentemente” anulados, engavetados ou prescritos a posteriori por filigranas que em nenhum momento examinaram as provas dos autos. Para esses lobotomizados, Lula enfrentou e “não fugiu”. Quanta hipocrisia. Embora tenha cogitado se meter em algum cafofo do Foro de São Paulo, Lula não fugiu basicamente porque percebeu que não havia razão de medo. Não porque não tivesse culpa, mas porque “estava em casa”, sabia (nomeou a maioria) quem eram os donos do malhete. Tanto que, na primeira oportunidade, como confessou Gilmar Mendes, foi dado um cavalo de pau jurídico pelo STF e, enfim, sua elegibilidade foi possível.
A pergunta honesta cabível é: Como Jair Bolsonaro reúne coragem suficiente para enfrentar as bestas-feras que transformaram o Brasil em uma republiqueta governada a canetadas com traços de psicopatia (royalties para o Ministro Barroso), que prendem e torturam, que escolhem a dedaços quem pode ser candidato e quem deve ser inelegível, com o parlamento ajoelhado, vendido, diariamente aviltado por eles próprios? Com o apoio bem pago da velha imprensa amestrada, estamos assistindo a gradual implantação de uma ditadura. Só não a reconhece quem não sabe o que é, quem nunca viu uma ou quem, de algum modo, nela se locupleta.
Os brasileiros estão com medo, significando que percebem o sinal de perigo e que precisam reunir coragem para enfrentar e vencer o inimigo. Somente idiotas não teriam medo ao enxergar bem na frente um furacão político, capaz de transformar uma nação enorme, rica, cristã, pacífica, de uma só língua e um só povo em um corpo totalitário, miasmado, humilhado, a andar de mãos dadas com ditaduras sanguinárias, a ameaçar o pôr do sol a cada amanhecer.
* O autor, Valterlucio Bessa Campelo, escreve às segundas-feiras no site AC24HORAS e, eventualmente, no site Liberais e Conservadores do jornalista e escritor Percival Puggina e em outros sites. A imagem que ilustra o presente texto foi copiada do seu livro “Desaforos e Desaforismos (politicamente incorretos)” que pode ser adquirido por este LINK.