*Franklin Jorge
Disse Shakespeare pela boca de Hamlet, príncipe filósofo da Dinamarca que sofria do mal metafísico – segundo a definição de Carlos Alberto Nunes, seu tradutor brasileiro -, em conversa com Polônio, camareiro-mor: “Tratai bem os atores. Eles são a memória do tempo”… Referia-se, naturalmente, aos artistas em geral e não apenas particularmente aos atores.
Lembro que Jesiel Figueiredo, ator, diretor e dramaturgo gostava de repetir essa frase e frequentemente a reproduzia de forma impressa nos programas de suas peças, que prefiguravam uma época na história do teatro local. Creio que foi, no gênero, o primeiro potiguar a viver exclusivamente de teatro. Mesmo assim, no fim da vida, voltou à Universidade e se tornou um dos nossos primeiros mestres em Artes Cênicas.
Pois bem. Tudo isto me vem à lembrança ler o comentário de Rosinaldo Luna – como Jesiel, ator, diretor e dramaturgo -, ao afirmar que o artista trabalha para ingratos. Confesso que em toda a minha vida já longa e exaustiva jamais lera ou ouvira de alguém um curto desabafo que contivesse tanta verdade. Geralmente não cultivo a inveja, por não fazer parte do meu caráter desejar o que não mereço, mas não pude me segurar quando li, de Rosinaldo Luna, que o artista trabalha para ingratos. Quisera fazer-me conhecido por essa verdade que nos entristece a todos que prezamos certos valores atualmente tão escassos e fora de moda, como reconhecer e valorizar o mérito. De fato, a acreditar-se em Shakespeare e em Rosinaldo, o artista não é o botão mais alto do gorro da Fortuna.
A Cultura é um instrumento de poder e cooptação e vem sendo utilizado há séculos por políticos inescrupulosos, sequiosos de poder, e por príncipes que aspiram assegurar uma confortável poltrona na História, sejam como Mecenas ou déspotas esclarecidos. Nem isso temos aqui: até Alberto Maranhão, que se destaca por ter sido mais inteligente do que seus demais pares, não é bem uma flor que se cheire. Seu mecenato serviu principalmente para abastecer de recursos sua família, como o falso aeronauta Augusto Severo que viveu grande parte de sua vida em Paris e lá morreu, às custas dos nossos defraudados contribuintes.
O desabafo verídico de um ator – o artista trabalha para ingratos – faz um esplêndido pendant com o velho e pertinente conselho de um príncipe que se fez de louco para vingar o assassinato do próprio pai, fruto de um conluio de adúlteros: Tratai bem os atores; pois seria melhor ter um mau epitáfio depois de morto do que vivo cair na língua deles.