• search
  • Entrar — Criar Conta

Resistência, desobediência civil e cidadania, parte 9

Em uma série de artigos, o advogado Elicio Nascimento comenta sobre um tema importante para os nossos dias: a desobediência civil. Abaixo, a parte 9.

*Elicio Nascimento

[email protected]

A Desobediência Civil como Direito Fundamental

A parte anterior você encontra aqui.

Os direitos fundamentais expressos na Constituição Federal estão distribuídos no título II que vai do artigo 5º ao artigo 17 em um rol que, embora relativamente extenso, no entanto não é exaustivo. A própria Constituição dá ampla abertura a outros direitos fundamentais, desde que estejam de acordo com o Estado Democrático de Direito.

Os direitos e garantias instituídos subdividem-se em: direitos individuais e coletivos; direitos sociais; nacionalidade; direitos políticos e partidos políticos.

A doutrina analisada por Moraes (2002, p. 59) apresenta a classificação de direitos fundamentais em gerações, os direitos de primeira segunda e terceira gerações. Os de primeira geração são os direitos e garantias individuais e políticos, os de segunda geração são os direitos sociais, econômicos e culturais e os de terceira geração são os direitos de solidariedade ou fraternidade. Contudo, Bonavides (2003a, p.58) analisa um direito o qual ele define como de quarta geração que é o direito à democracia, importante no desenvolvimento do país, através de uma democracia participativa.

Analisando a desobediência civil como sendo um importante instrumento de cidadania, que tem a finalidade de modificar a legislação ou práticas governamentais de maneira pacífica, portanto, sem o uso da força, apenas com a atuação dos cidadãos, em minoria ou não, embasados nos princípios jurídicos do sistema vigente, sem a pretensão de substituir a ordem posta por outra, sendo suas ações todas realizadas dentro da legalidade jurídica, visando à satisfação dos direitos fundamentais constitucionalmente assegurados, podemos concluir que essa ação está plenamente garantida em nossa ordem constitucional. É uma maneira democrática de participação porque admite ao povo, que é o legítimo detentor do poder, participar do processo político de modo mais direto.

Partindo de princípios analisados como o da cidadania, soberania popular, princípios democráticos com todos os seus efeitos, além de outros como os da dignidade da pessoa humana e liberdade, podemos nos referir à desobediência civil como um direito fundamental facultado ao povo utilizar quando um direito esteja sendo violado ou que o poder público esteja sendo omisso ou mesmo injusto, direito resguardado pelo parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição Federal.

Assim, esse instituto encontra-se baseado não apenas na teoria política e constitucional, mas também na Lei Maior e, sobretudo, nos princípios constitucionais. As leis são, sem dúvida, imprescindíveis para a sociedade, e quando estas são injustas ou quando tolhem o direito de alguns, deixam, é óbvio, de atingir o seu objetivo. É neste entendimento também que se defende o direito de resistência como fundamental porque visa proteger a Constituição e seus princípios essenciais. E o mais importante está na legitimidade existente no instituto, visto que parte diretamente da sociedade sem precisar de intermediários, como ocorre com outros mecanismos formais de participação popular direta, a exemplo do plebiscito e do referendo, assegurados na Constituição, mas que precisam de autorização do Congresso Nacional para a realização dos mesmos.

Se uma lei está em desacordo à Constituição e seus princípios, nada mais justo que se busque a sua correção. É fundamental a desobediência civil porque esta se propõe a efetivar mandamentos constitucionais, buscando por justiça e indo de encontro a atos abusivos.

É indispensável lembrar que o ordenamento jurídico brasileiro possui vários meios institucionalizados para a correção de injustiças ou leviandades ao direito, tais como o direito de petição, habeas corpus, mandado de segurança individual e coletivo, dentre outros. Todavia, como referido, eles podem não ser efetivos ou serem inoperantes. Daí nasce para o cidadão o legítimo direito de utilizar outros instrumentos na busca por justiça, ainda que não institucionalizados, como é a desobediência civil, tendo em vista direitos do mais alto grau terem sido lesados.

A desobediência civil é direito fundamental decorrente do: […] regime republicano de governo, e pelo princípio democrático e princípio da cidadania, elencados entre os princípios fundamentais do Estado Brasileiro […], analisa Garcia (2004, p.296).

Através desse instituto, o povo, legítimo detentor do poder, toma para si a possibilidade de se manifestar quando houver injustiças ou abusos da lei ou de atos que firam a sociedade, a Constituição ou os direitos fundamentais, sobretudo o da dignidade da pessoa humana, que norteia todos os demais.

Não somente por isso, a desobediência civil é um direito fundamental, mas também por efetivar princípios constitucionais como o da igualdade, isto porque visa à participação de todos, inclusive a de minorias excluídas politicamente. Além disso, o direito de desobediência civil existe essencialmente para garantir outros direitos, neste aspecto só existirá a desobediência civil quando um direito essencial for violado e quando os “remédios” legais às injustiças não se mostrarem suficientes.