Alexsandro Alves
A esquerda sempre quis se afastar do fascismo. Todavia, para quem condena os revisionistas e negacionistas, o trabalho da esquerda em desejar-se livre do fascismo foi umas das mais extraordinárias ações revisionistas e negacionistas da História. Porque nazismo, fascismo e comunismo são irmãos trigêmeos. Apenas seguiram caminhos diferentes: o nazismo, incorporando elementos da esquerda e da direita e atrelando a sua ideologia a superioridade racial germânica, é de direita; enquanto que o fascismo e o comunismo são sem dúvida de esquerda. A briga italiana entre fascismo e comunismo, onde este derrotou aquele, é briga de irmãos.
Benito Mussolini foi um notório socialista. Suas ideias e ações, que em 1912 receberam o elogio e o apoio de nada mais nada menos do que de Lênin, foram abraçadas por Antonio Gramsci e Amadeo Bordega, dois dos mais intrigantes pensadores marxistas. Ao longo da vida, escreveu e dirigiu, de forma brilhante, quase todos os jornais proletários da Itália. Em 7 de junho de 1914, Mussolini irrompe de ardor proletário em um artigo leninista no jornal socialista Avanti: “Proletários da Itália! Aceite nosso grito: vamos à greve geral. Nas cidades e no campo, a resposta à provocação virá de forma espontânea. Não antecipamos acontecimentos, nem nos sentimos autorizados a traçar seu curso, mas certamente, sejam eles quais forem, teremos o dever de apoiá-los. Esperamos que com sua ação os trabalhadores italianos possam dizer que realmente é hora de acabar com isso.” Dizia seu texto revolucionário. Porém, o ímpeto beligerante do Duce foi contido pelo próprio Partido Socialista e por várias lideranças sindicais que terminaram a greve e exigiram que o proletariado retornasse ao chão da fábrica. Mussolini jamais esqueceria essa traição contra os trabalhadores. Na mente do Duce, ele já havia expurgado todos os reformistas do partido, porém ainda restavam muitos que, secretamente, não eram revolucionários. O primeiro expurgo de Mussolini foi em 1912, foi exatamente esse ato que fez com que Lênin o elogiasse grandemente no Pravda russo.
Quando a Primeira Guerra Mundial explode, com o assassinato do Arquiduque Francisco Ferdinando, Mussolini renega a ideia dos socialistas da Itália apoiarem o conflito, para ele, a guerra era uma armadilha capitalista que em nada ajudaria ao proletariado italiano. Porém, foi convencido de que seria uma chance de, por fim, a Itália livrar-se dos Hohenzollern e dos Habsburgo, completando assim o Rissorgimiento iniciado no século XIX. Isso o levou a sérios problemas com os companheiros pacifistas. Cada vez mais convencido de que a guerra agora era a solução para acabar com a ordem burguesa, Mussolini publica artigos extensos em todos os jornais socialistas. Como retaliação, em 29 de novembro de 1914, ele é expulso do Partido Socialista. Diante dos companheiros afirma: “Vocês acham que podem me expulsar, mas verão que voltarei. Sou e continuarei sendo um socialista e minhas convicções nunca mudarão. Elas se erguem sobre meus próprios ossos.”
Quando o Fascismo consegue chegar ao poder, o ressentimento dos antigos companheiros de Mussolini ganha contornos de uma consternação infinita: os socialistas não acreditavam que o proletariado preferisse o fascismo ao socialismo. Daí se inicia uma primeira negação da esquerda: a de que o fascismo não seria um movimento operário e sim da burguesia. Apenas se esquecem que o proletariado era maioria e foi essa maioria que abraçou o fascismo. Mussolini simplesmente exacerbou as ideias socialistas: na primeira convenção fascista foi decidido um programa “decididamente esquerdista” e anticlerical, exigindo impostos mais altos sobre as heranças e ganhos de capital e a derrubada da monarquia, que sempre apoiou a direita conservadora. Assim, o Duce fazia valer seu caráter revolucionário e também, desferia um soco no Partido Socialista, que denominava de reformista e não de revolucionário. Todavia Mussolini jamais esqueceria a expulsão do Partido Socialista e como vingança, prende muitos de seus líderes e intelectuais, incluindo Antonio Gramsci, seu antigo companheiro.
É desse período uma quebra com o socialismo tradicional. O marxismo coloca na classe proletária a missão de quebra com as instituições burguesas. Mussolini, mais poderoso do que nunca, afirma que é dever não de uma classe, mas de um líder único promover a liderança da classe trabalhadora na revolução. Ora, se isso foi criticado na época, hoje a esquerda abraça a ideia de liderança única em qualquer parte do mundo. Essa ideia do líder revolucionário ainda respigará em Gramsci com seu intelectual orgânico no seio da classe trabalhadora apto à liderança das massas, é o que também Paulo Freire afirma em sua Pedagogia do Oprimido, quando diz que o oprimido necessita de um guia, um ser capaz de retirar dele as amarras do opressor. Isso não é marxista clássico, é revisionismo marxista, é fascista mesmo.