*Francisco Alexsandro Soares Alves
A derrota nazifascista durante a Segunda Guerra, pelos comunistas russos e italianos, foi o acorde que deu o tom nessa partitura da esquerda. Agora, no imaginário popular, nazistas, fascistas e comunistas eram, por serem rivais, inimigos de corpo e alma, entidades estranhas umas às outras e diferentes ideologicamente, antípodas. Esqueceram o acordo entre Hitler e Stálin, esqueceram que Mussolini sempre foi socialista, esqueceram que Gramsci e Lênin apoiaram Mussolini, esqueceram que Mussolini foi quem, no fim, sempre foi revolucionário, por isso foi expulso do Partido Socialista Italiano. Esqueceram Marx, inclusive.
Se para o povo estava fácil ser outra opção além do nazifascismo, bastando apenas questões iconográficas exibidas a exaustão: bandeiras vermelhas sobre Berlim ou Mussolini assassinado em praça pública, para os intelectuais a coisa ficou desesperadora. Porque Marx havia errado miseravelmente em suas colocações históricas.
Três pontos centrais para a revolução, segundo Marx: primeiro, o proletariado é a única força revolucionária e quanto maior sua conscientização, maior seu apego à revolução que de sua classe emana; segundo, sendo assim, a revolução começará em um país em que o proletariado esteja mais consciente, e Marx apostou na Inglaterra; terceiro, o proletariado não precisa de líderes, a classe revolucionária em si é seu líder, porque comunga dos mesmos ideais. Marx errou em tudo. E agora, diante da falsa vitória da esquerda com a Segunda Guerra, a questão se complicava.
Os dois primeiros pontos caminham juntos, a questão do proletariado enquanto classe revolucionária e a conscientização do proletariado, que levou Marx a saudar a Inglaterra enquanto berço da revolução. O que se viu foi que, quanto maior a conscientização proletária, mais essa classe almeja a burguesia. O socialismo britânico de Oscar Wilde, Bernard Shaw, Leonard e Virgínia Woof difere completamente do socialismo italiano e russo. São reformadores fabianos: almejam a conscientização proletária sem prescindir das instituições burguesas. No fundo são conservadores.
A Revolução Russa, saudada como marxista, contém em sua vitória em 1917 a contradição que faria Marx se revisar, caso estivesse vivo. A Rússia era o país europeu, em termos de vida do proletariado, mais atrasado. O povo, graças ao czarismo, passava fome e era analfabeto em quase 100% da população proletária. Mas foi nesse ambiente que a revolução floresceu. E há uma explicação humana para isso. Quando se ascende socialmente, como os proletários ingleses, se abandona ideias revolucionárias porque se quer a manutenção das vitórias materiais e institucionais conquistadas.
O proletariado quando deixa de ser proletariado, não deseja mais a destruição da burguesia, porque agora faz parte da saudável burguesia. Na Rússia, diante da pobreza e do analfabetismo, que futuro havia para aquele povo? Abraçar a revolução seria algo para quem nada tinha. E é assim que as ideias marxistas prosperaram: diante do ódio e da revolta diante de uma situação de marginalidade. De certa maneira, é a classe dominante que engendra a revolução. Evidentemente que a Revolução de 1917 na Rússia foi benéfica para o povo. Começaram a se alimentar e a estudar. O programa educacional leninista foi por vezes cruel: o czarismo era tão arraigado entre boa parte do povo que muitos se negavam a estudar porque o czar sempre dizia que o povo não deveria saber ler. Estes eram forçados a frequentar a sala de aula e a se alfabetizar. Também foi criado um programa cultural superior para o povo, que envolvia literatura, ópera, ballet e o recém-nascido cinema. De qualquer forma, o sucesso da revolução entre analfabetos e iletrados demonstra a derrota da teoria marxista, dialeticamente, por ironia da História. O regime soviético porém, aos poucos foi se tornando uma ditadura onde o sangue corria ante o medo e a perseguição aos próprios russos.
O terceiro ponto, a questão da liderança da classe proletária, que para Marx era líder de si mesma. Com a História demonstrando que o proletário almeja mesmo é ser burguês, mais uma revisão de Marx deveria ser feita. Então entra Gramsci e retorna Mussolini.
Para a Nova Esquerda pós-Segunda Guerra, a Teoria Marxista já dava sinais de cansaço. O único sopro ainda era a URSS, que mais tarde, quando seus porões fossem abertos, mostraria milhões de cadáveres da ditadura stalinista, para a vergonha secreta de muitos intelectuais da Nova Esquerda. Nunca recalcitraram.
Mas a questão era a morte do proletariado. Com a vitória, no Ocidente, dos Estados Unidos, na Segunda Guerra, a produção capitalista dominou o mundo de forma irreversível. O desejo do proletário era ter seu carro, sua casa, sua esposa; o desejo da esposa proletária era ter sua batedeira, seu liquidificador, sua geladeira; o desejo dos filhos proletários eram ter sua bicicleta ou seu jogo eletrônico. O desejo proletário era não mais ser proletário e assumir a burguesia. Era se inserir dentro das saudáveis instituições burguesas e compartilhar de seu sossego.
O proletariado morreu, se é que alguma vez existiu e Marx errou de novo. O golpe de misericórdia em Marx seria gramsciano. Esse intelectual, amigo de Mussolini, preso pelo Duce por discordâncias circunstancias nos rumos do socialismo, criaria o intelectual orgânico. O que seria? É um intelectual que mantém ligações com a classe proletária, da qual é oriundo e que agora é seu porta-voz. Nos causa risos, desculpem. Vejam as origens dos intelectuais da esquerda. Poucas são proletárias. Adorno? Hobsbawn? Filhos da alta burguesia alemã, a mesma que apoiaria o nazismo. Como podem falar para a classe que não conhecem posto que nunca vivenciaram seus desejos?
E mais: existência do líder porta-voz da classe operária não é marxista, é fascista. Gramsci a retirou dos escritos de Mussolini. Mas houve uma transformação. O intelectual orgânico também seria uma classe. Falariam as mesmas coisas. Pensariam as mesmas coisas e chegariam as mesmas conclusões: de que o capitalismo e a burguesia são as raízes de todo mal social. De Adorno a Foucault, de Sartre a Lacan, de Marcuse a Deleuze, todos falariam coisas que apenas eles próprios e seus iniciados entenderiam. Estavam aquém para a miséria material e intelectual do proletário, com suas ideias bombásticas sobre o fim de qualquer ordem burguesa: instituições, cultura, comportamento, tudo era burguês e deveria ser destruído. O que por no lugar? Nunca souberam afirmar. Bastava apenas a iminência da bomba-relógio e frison revolucionário de burgueses entediados com suas próprias existências.
Mas quiseram e querem ser porta-vozes da classe operária. Imaginem alguém falando um parágrafo de Foucault para o proletariado… Ou de Adorno… Ou de Lacan…Seria apedrejado. Hoje sequer se aceita Simone de Beauvoir com seu segundo sexo, imaginem um corpo sem órgãos de Artaud, ou os mil platôs de Deleuze e Gattari?
Hoje a esquerda está em um beco sem saída intelectual e ideológico. Negaram Marx para sobreviver e tinham que negar mesmo, porque o alemão errou em tudo. Abraçaram Mussolini e o negam disfarçadamente. Se apropriaram, os ricos intelectuais das classes altas, do intelectual orgânico de Gramsci, para que? Para dialogarem consigo mesmo. Hoje o intelectual de esquerda é um eremita que de sua caverna espalha seus ódios e ressentimentos contra a burguesia. Onde está essa caverna? Nos departamentos de humanas das universidades. De lá, apoiados com dinheiro das instituições burguesas que abominam, vomitam sua amargura contra a burguesia que os sustenta e da qual fazem parte. E é isso que sobra no fim, ressentimento.
Para que então, o pensamento marxista? Para servir de ópio dos intelectuais. O proletário inexiste. Com o povo a esquerda já não consegue se comunicar. O povo mesmo prefere a segurança e as garantias das instituições burguesas. E entre eles, entre os intelectuais orgânicos gramscianos, imperava muito, mas muito mesmo, ressentimento.