*Francisco Alexsandro Soares Alves
A maior parte do que o manifesto [Manifesto Comunista] de fato recomenda é de interesse puramente histórico, e quase todos os leitores saltam essa passagem para ler o chamado para a ação contido no final – aquele que diz que os trabalhadores nada têm a perder, exceto os grilhões, e têm um mundo para ganhar. Trabalhadores do mundo, uni-vos! Infelizmente, isso também já passou do prazo de validade.” Estas palavras são de Eric Hobsbawn, o mais influente marxista contemporâneo, falecido em 2012. Está em seu último livro, publicado postumamente em 2012, Tempos Fraturados, página 21.
Hobsbawn foi um dos maiores ressentidos entre os ressentidos da esquerda. Mesmo depois de ciente dos crimes de Stálin, nunca emitiu sequer uma reles nota de repúdio, dessas mesmas que a esquerda brasileira está passando vergonha de emitir contra Bolsonaro. Hobsbawn foi incapaz de reconhecer os erros do socialismo, na verdade, em certos textos, até os justifica. Quão não deve ter sido seu ressentimento ao escrever estas palavras que abrem o artigo! O que elas afirmam, afinal? Primeiro, a maior parte do Manifesto Comunista tem valor apenas histórico. Não passa disso. Segundo, descaradamente, Hobsbawn afirma que quase todos os que leem o Manifesto saltam muitas de suas páginas para ir logo ao final do livro. Essas páginas saltadas contém algumas ideias sobre como seria um governo socialista, algo vago ainda, mas é um modelo. O mais triste para Hobsbawn, e para a esquerda, é a admissão final. Até mesmo o chamado à luta marxista já venceu! A luta de classes, “motor da História”, segundo Marx, perdeu o bonde da História. Venceu. Capitulou.
Mas Hobsbawn deveria ter assumido isso já em maio de 68, por exemplo. A balbúrdia que ocorreu nas ruas de Paris, onde jovens das classes média e alta da burguesia, destruíram lojas, atearam fogo em carros, picharam muros e fachadas, vandalizaram a cidade… em nome do proletariado! Sim, não foram jovens pobres das classes baixas, do proletariado, que invadiram as ruas de Paris em 68. Foram jovens de barriga cheia, bem vestidos, bem criados, universitários, revoltados com tudo e sem nada para fazer ou acreditar. Mas ousaram afirmar que agiam em nome do proletariado. Imediatamente, uma enxurrada de intelectuais franceses, Sartre, Althusser, Foucault, tomaram as palavras desses inconsequentes e propuseram ideias que fariam o mais estudado entre o proletariado ficar de cabelo em pé. Eles viram o nicho que se formava: jovens burgueses entediados ávidos por preenchimento de suas vidas vazias. Uma profusão de ideias e teorias, todas tão fenomênicas quanto as do Manifesto Comunista, foram disparadas como balas contras as instituições burguesas. Édipos incapazes de decifrar a Esfinge, revoltaram-se contra Laio. E nesse revolta tentaram tomaram o lugar da Esfinge, destilando palavras e conceitos enigmáticos que não passariam das salas de aula universitárias, mas que serviria para preencher seus ócios burgueses. Onde uma fala de Foucault é entendida pelo proletariado? Onde jovens ociosos ricos, que usam do poder de sua classe social para destruir uma cidade, podem falar em nome de pessoas que vivem para o trabalho miserável de apenas sobreviver? Na cabeça da esquerda!
Hobsbawn deveria ter feito seu mea-culpa em 68. Mas aí seria apontar o dedo para algo que cheirava, aos olhos dos marxistas, tal qual uma revolução. Mas foi apenas fogo de palha de jovem burguês. Trazendo para o nosso país, imaginem Caetanos Velosos, Marcelos Freixos e Isas Pennas, do alto de suas torres no Leblon, clamando a favor da maconha enquanto dançam funk e afirmando que falam pelo proletariado da favela! Na hipocrisia de sua “branquitude” à base de cannabis, não conhecem a realidade de favelados que vivem sob o terror do tráfico de maconha que o Leblon consome!
Admitindo-se o fim da luta de classes, cai por terra toda a tradição marxista? Sim. Então como essa tradição ainda continua em pé, já que a luta de classes não existe mais? O marxismo tem uma plasticidade inesgotável, ao que parece.
Se a luta de classes chegou ao fim, agora é arrumar outra luta para acender a cannabis intelectual. E encontraram. As questões identitárias. Se já não podia levar na seriedade o burguês versus o proletariado, agora é o branco contra o negro, o homossexual contra o heterossexual, o homem contra a mulher. Aliados a isso, grupos de LGBTTQIA+, feministas, quilombolas, indígenas e etc., ganharam vez. É certo que já existiam, mas eram a periferia da esquerda dentro da questão maior do burguês versus proletariado. Agora são protagonistas e empoderadas, para usar dois termos ridículos que fazem a cabeça da moçada favelada, negra, gay e da baseada branquitude de Zona Sul.
Será que fazem ideia do que Marx fala sobre as mulheres no Manifesto Comunista? Aliás, devemos crer nas palavras de Hobsbawn quando este fala que a maioria salta a parte central do Manifesto Comunista, apenas isso pode explicar as mulheres socialistas e comunistas! É nessa parte central em que se encontra certos pareceres marxistas, que a tradição achou melhor pular mesmo e não ler. Não sabem o que a ditadura do proletariado lhes reserva: a comunidade de mulheres… Para dizer o mínimo. E os pensamentos de Marx e Engels em obras como A Filosofia Alemã, A Sagrada Família ou A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado sobre negros e indígenas? Será possível que Marx errou nisso também? Temo para mim que, caso algum negro ou alguma negra desse uma olhada nesses escritos, amaldiçoariam Marx e Engels pelo resto de suas vidas. E não apenas pessoas negras, mas sobretudo mulheres brancas, negras ou indígenas. Aos que ficaram escandalizados com Fernando Cury, como ainda podem ser marxistas? E o amor de Fidel e Che Guevara para com gays e lésbicas: seria Estocolmo o que acomete a comunidade LGBTTQIA+ marxista?
É saboroso ler a admissão de Hobsbawn sobre o fim do marxismo. Mas uma coisa que fica sempre na mente é essa profusão de marxistas que ainda existem. O marxismo morreu. Seriam, pois, estas pessoas, apenas o eco do último suspiro do cadáver?