*Franklin Jorge
Quando nasceu?
Em 16 de junho de 1933.
Onde?
Em Jenipapeiro, povoado do município de Picos, Piauí, depois transformado em cidade independente com o nome de Francisco Santos.
Como se chamam seus pais?
Miguel Borges de Moura (mestre-escola e repentista/violeiro) e Josefa Maria de Sousa (analfabeta, mas uma pessoa, religiosa e sábia pela prática da vida).
De onde são?
Ambos de Francisco Santos, Piauí – outrora povoado Jenipapeiro, pertencente ao município de Picos, zona seca do sertão.
O que você herdou do seu pai?
As letras que ele me ensinou até completar o primário; a sabedoria dos antigos, através de versos, poemas e cantigas, pois era – além de mestre-escola – também violeiro; o caráter, a vergonha, a coragem para trabalhar. Meu pai nunca mentiu e nem enganou ninguém financeiramente, pagava seus compromissos apertadamente, pois era muito pobre, pelo que a família passou realmente maus bocados, especialmente durante um pequeno espaço de tempo em que esteve desempregado – era professor do Estado – demitido por perseguição política.
E de sua mãe?
Os princípios religiosos; a sabedoria dos antigos através de ditados, cantigas, poesias e modinhas que cantava; a sensibilidade de uma pessoa que tinha vontade própria, embora vivesse submissa ao marido, pelo que muito se queixava; a moral e a ética sertaneja, conservadora, que sempre me ensinou, embutida na religião (católica).
Dê-me fatos para esclarecimento de heranças.
Lembro de uma vez em que, indo buscar mantimentos para a família passar o mês, num lugar distante, já cansado, com fome, eu me queixava como todo menino: “estou cansado, estou com fome”. E ela dizia, “vai passar, vamos chegar logo, grande são os poderes de Deus”. Daí eu fazia um risco bem longo ao longo da estrada e perguntava: “Mamãe, a perna de Deus é deste tamanho? (eu devia ter 5 anos).
Quem é você?
EU?
Não me perguntem quem sou.
Fui… Não vou descer.
Nem voltarei
a um mundo que rui
por trás de algumas fábulas,
rainhas, princesas, santos, reis
e paredes.
Acreditar me dói,
tudo está para os outros.
Sim, os que viveram
as mesmas ficções mortais,
as mesmas ilusões fatais.
Me vejo no alheio espelho,
como se contra-face:
O rótulo que calçam,
a etiqueta que vestem,
o vinho que entornam,
a cerveja que arrotam,
o mercado, a propaganda,
a arte não-barroca, oca,
os gritos da tevê
onde ninguém me vê.
Não! Nada sou para os sepulcros
negros da noite.
Só, comigo estou.
Sou luzeiro na escuridão,
ninguém me vê. Nem ouve.
Mais fatos.
Meu pai me ensinou a ler, escrever e contar, a maior herança, Mas também foi meu educador à moda antiga. Sempre quis que eu fosse um forte, não sendo, como não sou, um forte fisicamente. Minha fortaleza é espiritual. Nunca me olhou diretamente a não ser para me castigar, mas o castigo maior que recebi não foi físico, foi moral quando me bateu diante de uma platéia. Eu era criança. Mesmo assim, depois dos dezoito, quando comecei a fumar, nunca o fazia na sua presença. Por respeito. Não mais por medo.
E sua infância?
Minha infância foi boa, dentro das possibilidades daquele tempo e daqueles lugares onde vivi. As pessoas me adoravam, apesar de ser um menino feio e magro, doentio até certo ponto. Tive todas as doenças de menino, só não tive a tal catapora. Sofri. Mas era alegre. Brincava pouco por causa da minha natureza de introvertido. Mas brinquei. Adolescente, não namorei (salvo alguns namoricos de mês ou coisa tal), não dancei (não consegui aprender), não andei de bicicleta (não possuía). Minha adolescência só não foi péssima por causa da literatura: lia, lia, lia. E tentava escrever. Não digo que não fosse a festas, mas não dançava. Bebia, mas não namorava. Fumava, mas não impressionava. Cinema, pouco. Circo – muitos, era muito bom. Rir. E eu ria muito quando era jovem a ponto de me chamarem “rapaz que ri”, em contraste com o livro “O Homem que ri”, de Victor Hugo, que eu li, entres outros.
Como brincava?
De correr, de anel, de casamento, de viajar e demorar muito para causar suspense, de me esconder, jogos de cartas, jogos de castanha, etc. Com os meninos, mais que com as meninas.
Quando deixou sua terra?
Definitivamente foi em 1954, quando fui fazer o ginásio em Picos, e fiquei. Já havia escrito muitos poemas, rasgado outros e publicado dois, nos jornais estudantis de Picos, mesmo sem estar morando lá.
Que coisas tem feito?
Coisas? Não sou pintor nem músico, não sou carpinteiro, não sou engenheiro, não sou arquiteto. Tenho escrito meus livros, publicado e vendido. Quase todos. Poucos foram por editor, de quem não recebi um centavo de direitos autorais. Estes, só recebi de jornais em paga de artigos e ensaios publicados. Só. O resto: fiz filhos, as obrigações da família, os deveres de bancário do Banco do Brasil (antes de me aposentar), um programa de rádio, editei duas revistas (Cadernos de Teresina e Cirandinha), fui membro do Conselho de Cultura do Estado, Presidente da UBE local, membro da Academia Piauiense de Letras (da qual fui Secretário Geral). Viajei pouco, não escrevi nenhum diário, não me adapto a tal espécie. Mas tenho dentro de minha biblioteca cerca de 10.000 artigos, crônicas, contos, crítica, alguns editados em jornais, outros não. Estou arrumando meu legado às letras em volumes inéditos. Não sei se a saúde vai me permitir muito. Tenho alguns livros que ainda quero editar, entre os quais, um sobre minha infância (O menino quase perdido) e um romance (O crime perfeito).