*Franklin Jorge, Editor.
Dona Gena atravessa o crepúsculo com dignidade e estoicismo, dedicada a observar o espetáculo da vida cotidiana.
Espírito lúcido e atilado, Maria Eugênia Maceira Montenegro, Dona Gena para os queridos, vibra com a literatura, a melhor terapia para a alma; uma forma de lenimento das horas ruins e dos anos tortuosos; um ofício, enfim, que deixa a percepção e a sensibilidade alertas.
Nascida em um dia 7 de outubro, há oitenta e oitos anos, ela acredita que a imaginação fertiliza o deserto e aconselha que o escritor escreva, bem ou mal, vulgar ou genialmente, como disse Ramón Nieto. Mas escreva. Sem descanso, e sempre. Escrever é entregar-se a uma longa paciência. Esta, a lição que nos oferece, haurida da sua experiência.
Conversamos no terraço da casa do seu cunhado, em Petrópolis, onde se encontra, descansando, em sua passagem por Natal. Embora martirizada pela velhice e pela doença, Dona Gena exprime a serenidade de quem viveu em plenitude cada momento da sua vida. Uma vida em claro, generosa, aberta às percepções.
Conhecia-a, ainda menino, em seu bonito solar da Praça Getúlio Vargas 19, no Açu, cidade que a acolheu em janeiro de 1939. Adolescente, frequentei assiduamente sua biblioteca, formada pelo que havia de melhor em autores e obras. Cecília Meireles (sua predileta), Manuel Bandeira, Clarice Lispector, Machado de Assis, Cornélio Penna, Drummond, José Geraldo Vieira, Gilberto Freyre, Thomas Mann, André Gide, Henry James, Huxley, Oscar Wilde, Verlaine, Montale, Gogol, Dostoievski… Um verdadeiro festim para o espírito.
Dela ganhei todo o Shakespeare, magnificamente ilustrado por John Gilbert, uma raridade que ela me destinou em testamento. Quando soube que me colocara entre os seus herdeiros, disse-lhe francamente que preferia não ter sabido disto, porque certamente, por mais que a quisesse, não poderia responder pelo meu desejo de ter em minhas mãos, o mais rapidamente, aquela preciosa coleção. Dona Gena achou graça e antecipou a entrega dos 24 volumes que compõem a poesia lírica e a prosa dramática do bardo inglês.
Mineira, nasceu na antiga cidade de Lavras do Funil, filha de português e de brasileira. Aqui tem vivido com a graça de Deus, criando e fazendo o bem. Notável como prefeita de Ipanguaçu, criou durante o seu mandato biblioteca e teatro, abandonados e destruídos por seus sucessores. Pertence à Academia Norte-rio-grandense de Letras. Recentemente distinguida com o título honorífico de “Cidadã Norte-rio-grandense”, recebeu-o em sessão solene na Assembléia Legislativa do Estado.
Dona de uma conversa agradável e instrutiva, retorna sempre à sua lembrança o sagrado nome do poeta João Lins Caldas, a quem reconhece como o seu mestre, após terem se conhecido, há mais de sessenta anos, na Fazenda Picada. Caldas era um prodigioso ser nietzscheano. Alguém que escreveu versos viscerais e aprendeu que sangue é espírito.
O poeta tinha parentesco com o seu marido. E costumava passar dias na Fazenda Picada, ruminando poemas, quando não lendo-os para a bela e jovem amiga. Caldas também gostava de caçar nas matas ralas da Picada. E, exaltado pela dor, bradava ás vezes, O Assu é meu Inferno!
Para Maria Eugênia, cujo nome significa “a bem nascida”, a vida adquire sentido através do prazer das relações humanas e da satisfação da beleza que a arte proporciona. Sem arte, a vida torna-se opaca e sem nenhum sentido. Eis a lição que deixa para os que lêem estas fracas linhas.
Só a reveria, em seguida naquela cama enferrujada do Hospital da Polícia Militar, sozinha a maior parte do tempo; recebia agora um casal de amigos. Por algum tempo, massageei-lhe os pés delicados.