*Rainer Maria Rilke
Paris, 11 de setembro, rue Toullier.
Então as pessoas vêm aqui para continuar vivendo? Eu preferiria ter pensado que alguém morre aqui. Eu saí. Já vi hospitais. Já vi um homem cambalear e cair. As pessoas aglomeraram-se em torno dele e assim me impediram de ver o resto. Eu vi uma mulher grávida. Ele se arrastava pesadamente por uma parede alta e quente e se tocava de vez em quando, como se quisesse se convencer de que ainda estava ali. Sim, lá estava. E atrás do muro? Olhei no meu mapa: Maison d’accouchement. Bom. Ela vai dar à luz, isso é natural. Mais adiante, a rue Saint-Jacques, um grande edifício com cúpula. O mapa indica: Val de Grâce, Hôpital militaire. Eu certamente não precisava saber, mas não faz mal, a rua está começando a exalar odores por toda parte. Até onde se pode distinguir, cheira a iodofórmio, a gordura de fritas, a angústia. Todas as cidades cheiram no verão. Então vi acima da porta uma inscrição ainda bastante legível: Asyle de nuit. Os preços estavam escritos ao lado da porta. Eu os li. Eles não eram caros.
Depois? Já vi uma criança num carrinho parado: era gorda, esverdeada e tinha uma erupção bem visível na testa. Parecia que ele já estava se curando e que não doía. A criança dormia de boca aberta, respirando iodofórmio, “pommes fritas”, medo. Foi assim que foi e nada mais. O importante era que se vivesse. Sim, isso era o importante.
Rainer Maria Rilke