• search
  • Entrar — Criar Conta

Rue Toullier, Paris

Rainer Maria Rilke, sobre uma rua em Paris: “Então as pessoas vêm aqui para continuar vivendo?” Na beleza de Paris se casam o sublime e o grotesco.

*Rainer Maria Rilke

[email protected]

 

 

Paris, 11 de setembro, rue Toullier.

Então as pessoas vêm aqui para continuar vivendo? Eu preferiria ter pensado que alguém morre aqui. Eu saí. Já vi hospitais. Já vi um homem cambalear e cair. As pessoas aglomeraram-se em torno dele e assim me impediram de ver o resto. Eu vi uma mulher grávida. Ele se arrastava pesadamente por uma parede alta e quente e se tocava de vez em quando, como se quisesse se convencer de que ainda estava ali. Sim, lá estava. E atrás do muro? Olhei no meu mapa: Maison d’accouchement. Bom. Ela vai dar à luz, isso é natural. Mais adiante, a rue Saint-Jacques, um grande edifício com cúpula. O mapa indica: Val de Grâce, Hôpital militaire. Eu certamente não precisava saber, mas não faz mal, a rua está começando a exalar odores por toda parte. Até onde se pode distinguir, cheira a iodofórmio, a gordura de fritas, a angústia. Todas as cidades cheiram no verão. Então vi acima da porta uma inscrição ainda bastante legível: Asyle de nuit. Os preços estavam escritos ao lado da porta. Eu os li. Eles não eram caros.

Depois? Já vi uma criança num carrinho parado: era gorda, esverdeada e tinha uma erupção bem visível na testa. Parecia que ele já estava se curando e que não doía. A criança dormia de boca aberta, respirando iodofórmio, “pommes fritas”, medo. Foi assim que foi e nada mais. O importante era que se vivesse. Sim, isso era o importante.

 

Rainer Maria Rilke