• search
  • Entrar — Criar Conta

Sabenças e comidas dos mortos

Fundador de Navegos escreve sobre duas senhoras peculiares e suas vidas cercadas por entidades e mistérios.**

*Franklin Jorge

[email protected]

 

Dona Luiza Pixuí e Bibi sabiam o que ninguém mais sabia.

Alta, magra, espigada e de ancas empinadas, as saias compridas cobrindo-lhes o dorso dos pés, não era Dona Luiza mulher de duas palavras nem de muita conversa.

Era vista como autoritária e mau humorada porque não tivera filhos. Por isso, afeiçoara-se a Jorge Antônio e gostava de contar-lhe histórias.

Bibi mal se erguia de sua cadeira, de onde emergia de uma saia de cambraia de linho branca, blusa com rendas de bilros e babados, bem passados e engomados. De pequena estatura, retinta, de ancas matriarcais, optou por não se casar nem constituir família. Crianças e marido, resmungava às vezes, são verdadeiros Sapiricos, dizia, persignando-se e selando os lábios em cruz.  Nem gorda nem magra, ‘’mas cheinha do corpo’’, como alguns a descreviam, tinha quadris matriarcais e seios opulentos, vivia sentada, em silêncio, mergulhada em si mesmas ou em abismos, levantando vigias imaginárias. E, com suas visões divergentes, enxergava tudo com clareza. Parecia ter um olho no pescoço que lhe dava notícias de tudo o que se passava na casa.

Não dava cartaz a falatórios e geralmente encerrava toda conversa fiada com veemente e inconfundível muxoxo. Jorge Antônio era a única criança que lhe merecia um afago e para quem sorria e até o colocava sobre seus joelhos e sussurrava algumas notas musicais. Diferente de Dona Luiza, tinha seios fartos. Rescendia a Água de Alfazema e talco.

Todas as noites, Dona Luiza advertia Rita a não deixar comida descoberta sobre a mesa, para não atrair os mortos. Não se recolhia nem se aproveitava comida que caísse no chão. Seriam avisos das almas aflitas do Purgatório, suplicando orações. Toda comida que de repente cai de nossas mãos, pertencem aos mortos. Alguns, ousados ou incrédulos e zombadores da Tradição, pegam a comida e, enquanto a limpa de aparentes impurezas, recita com ar debochado: Não vou fazer o gosto do Cão

 

[…]

 

 

**Fragmentos do livro A idade dos nomes [inédito]