*Francisco Alexsandro Alves
Não existe literatura sem crítica literária na sociedade burguesa. Uma coisa dá vida à outra, em um processo de simbiose em que o público sai ganhando tanto quanto as outras duas partes, o escritor e o crítico. Por vezes o crítico também é escritor, mesmo porque a crítica também é gênero literário, mas não apenas por isso. Baudelaire e Pessoa, Poe e Whitman, Wolff e Bandeira exerceram a crítica literária, assim como Machado de Assis.
a burguesia tomar o poder não havia a necessidade de uma crítica tal como a conhecemos hoje. A literatura era produzida por empregados das cortes, estas que, por fim, avaliavam a nobreza do texto ou decretavam sua pobreza. Geralmente, os grandes literatos ofereciam seus serviços aos reis e príncipes, às rainhas e princesas, esperando assim fazer parte da corte. Assim foi com Maquiavel, com Camões e com tantos outros.
Com a advento da burguesia, a situação muda e a maioria do povo começa a ter acesso aos livros. Porém, quais livros? Surge então a figura do crítico de arte e do crítico literário em particular. Como disse, a crítica literária é essencialmente uma ocupação filha da burguesia.
Sendo uma profissão burguesa, a tarefa do crítico é guilhotinar em praça pública as cabeças falsamente coroadas. É assim que a literatura caminha. Como uma espécie de Segunda Vinda, o crítico separa o joio do trigo. De fato que, sem ele, a literatura de uma cidade não tem sentido. Porque o grande público não sabe distinguir o que é literatura do que é picaretagem. E muitas vezes títulos e condecorações públicas de amigos podem levar a uma falsa ideia do real valor literário do que é produzido. O crítico precisa ser a má consciência de seu meio literário. Porque muitas vezes seu trabalho gerará infortúnios, invejas e ódios.
Natal carece de muitos bens culturais. O prefeito, uma besta-fera de brutalidade, permite que o patrimônio monumental da cidade seja roubado de cemitérios, pichado e corroído pela inércia. Uma crítica literária não existe nos jornais, nem nas tvs locais. Talvez com exceção de Navegos, nenhum outro meio midiático do estado possua uma real força e legítima preocupação nesse aspecto. Notem que fazer crítica literária não é falar sobre lançamentos de livros nem dar espaço aos autores para que falem de sua obra. Isso é necessário, porém não é crítica literária.
Crítica literária é uma conversa franca com quem escreve sobre as belezas e as feiuras de cada obra. É morder onde se deve e soprar quando necessário. E sobretudo, a crítica literária não fica presa a nenhum laço que seja, nem mesmo à amizade ou à política. Porque a crítica literária, assim como a literatura, é civilizatória. E mais uma vez, por isso que Natal é tão bestial.
Sendo civilizatória, precisa do debate de ideias, franco e sem reservas. Isso exige maturidade do escritor que dá ao mundo um rebento. E nesse momento já não é mais dele, ganha asas no mundo para sofrer, se alegrar e crescer. É a crítica que dá vida à literatura de uma cidade. De que adianta vender livros, se só se vende para conhecidos? Qual o sentido de conversar sobre nossos livros com alguém, se apenas recebermos o que esperamos? E qual o valor de um escritor que não causa constrangimento em seu meio? Que não causa crises?
A literatura é uma semente e como semente precisa chegar em solos desconhecidos, quem joga a semente é a crítica. E, como já mencionado, algumas vezes esse semeador precisa escolher entre a sinceridade e a amizade. Essa semeadura ajuda a formar leitores mais exigentes, por sua vez, isso torna o ato de escrever em uma cidade uma tarefa mais desafiadora, além disso, também amedronta escritores medíocres e, por fim, ajuda as editoras a selecionarem melhor seus escritores. Ou seja, toda a rede produtiva do livro sai ganhando com a crítica. Em Natal tivemos grandes críticos: lembremos que foi uma crítica de Antônio Pinto de Medeiros que redirecionou a poesia de Zila Mamede. E por quê? “Porque o bom escritor não teme o bom crítico”, como afirma Yun Heunggil.