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Semanário poético da Paixão

“Eis o SEMANÁRIO POÉTICO DA PAIXÃO. Organizei-o com devoção e poesia. São passos espirituais que buscam ajudar no percurso da Páscoa. ” – Horácio Paiva.

*Horácio Paiva

[email protected]

 

 

SEMANÁRIO POÉTICO DA PAIXÃO

 

ANÚNCIO PASCAL

 

Para que eu enfim compreenda

faz-me treinar diariamente o Senhor

 

Até nos contrastes exerce seu magistério

ensinando-me a exorcizar as contradições

com dialética maestria

 

Às vezes conduz-me a colinas verdejantes

enquanto chora meu coração

e às vezes a mares revoltados

quando almejo alegria e paz

 

Diz-me que para tudo

a regra é a paciência

e que é preciso anular

o impacto negativo das surpresas

que gritam aos sentidos

e os exasperam

 

Mas para isso devo contar com o vazio

que afasta as ilusões

 

O vazio

tal qual se vê no olhar dos iluminados

– ou na calma dos mortos

 

 

24/3 – DOMINGO DE RAMOS

 

DOMINGO

 

Vontade de brincar

neste domingo

 

e na áspera claridade

estar ao vento

e às notas

brancas e azuis

de seus cantares.

 

Não sei aonde vai

minha alegria.

 

Vou procurá-la longe

no coração

onde se perde a voz

daquele sino…

 

 

25/3 – SEGUNDA-FEIRA

 

RECEBO O QUE ME DAIS

 

Recebo o que me dais, Senhor.

 

Colhi de vossas mãos

o tenro fruto do amanhã:

a esperança.

 

Destes-me o esplendor

e também a solidão –

e fiquei só entre os irmãos.

 

E assim para sempre ouviria

unicamente a minha voz

não fora o amor

ou a morte –

ambos arautos da união.

 

Recebo o que me dais, Senhor.

 

Com resignação,

recebo o que me dais.

 

Mas afastai de mim o cálice escuro

que ensombra os espaços

e turva o horizonte.

 

E porque sois o Caminho,

a Verdade e a Vida,

 

Revelai-vos!

 

Para que eu veja pelos vossos olhos

e em vosso amor

a salvação que anunciais.

 

 

26/3 – TERÇA-FEIRA

 

 

LÁZARO

 

Herdara a sombra da figueira

as raízes a doce

umidade da terra

 

Herdara o paraíso

escuro da noite

a paz e o acalanto das águas

 

Mas a tua voz chamava-me

ordenando-me a volta à ilusão

das viagens à luz

ofuscante do meio-dia

à poeira das estradas

 

E eu que julgara haver

cumprido o meu dever

a missão que o Senhor me confiara

e isento já da faina diária

dos renascimentos

 

Retorno ao calor

à peleja com estranhos

à repetição dos dias iguais

ao suor de meu rosto

 

E como Jacó a servir mais tempo

para merecer Raquel

servo fiel retorno

e já diviso à distância

o tumulto

o choro das irmãs

a casa

repleta de olhares curiosos

 

 

27/3 – QUARTA-FEIRA

 

 

SOU DE DEUS

 

Sou de Deus

 

Por isso preparo o meu retorno

com a voz do coração

que indaga

 

Com o olhar

acima da montanha

 

Com os pés

supondo estar

no caminho certo

 

 

28/3 – QUINTA-FEIRA

 

A ÚLTIMA CEIA

 

à mesa tomam assento os convidados

e pães verdes são servidos –

 

pães e vinho verdes

na última homenagem à esperança

 

 

29/3 – SEXTA-FEIRA

 

 

PÃO E LUZ

 

com lápis invisível

descrevo na escuridão

o que não vejo

 

e posto sobre a mesa

creio haver um pão

à espera da luz

 

 

30/3 – SÁBADO DE ALELUIA

 

 

O CAMINHO

 

Voilà ma route – avec le paradis au bout.

– Verlaine –

 

Não se agite

não perca a alegria

três anjos velam por você

e do fogo votivo ascende

um sussurro celeste

de paz e paciência

 

É chegada a hora

de parar a montanha

e não pisar nos mortos

 

Entre as miragens

aprenda a conduzir-se

veja-as sem apego e não as toque:

estão contaminadas pela solidão

 

O sepulcro está aberto

mas vazio

o sol se pôs e a sua luz

das almas enamorada

percorre as estradas

 

Não se agite

e aguarde em paz

a leveza dispensará suas asas

 

Alguém que o esperava

vem agora ao seu encontro

e seu jugo é suave

 

 

31/3 – DOMINGO DE PÁSCOA

 

 

DEUS NÃO ESTÁ FORA

 

Deus não está fora

não saiu a passeio

 

A linguagem de Deus se espalha

 

Há quem fale com os pássaros

e com os peixes

como Francisco e Antônio

 

Há quem fale com as pedras

e mesmo com o deserto

mas isto só os iluminados

como os velhos eremitas

 

E no pão consagrado

Deus está presente

 

À porta de sua casa

 

 

– HORÁCIO PAIVA