*Alexsandro Alves
Trecho de uma carta de Mário de Andrade para Manuel Bandeira (a quem chama afetuosamente de Manú), de 7 de abril de 1928, a grafia original foi mantida, tanto neste trecho, quanto em outros ao longo do artigo. O assunto é Oswald de Andrade, a quem Mário sempre chamou de Osvaldo:
“Meu Deus como eu vivo palmatória-do-mundo! Ora censuro o Ascenso, ora o Osvaldo, se você imaginasse tudo o que já tenho falado para o Osvaldo em nossa vida! E com que asperezas!… E o mais bonito, Manú, é que o Osvaldo não é meu amigo, fique sabendo. Eu que sou amigo dele. Não me venha falar tudo o que você já me tem falado sobre êle, já sei de tudo e aceito muito. Porêm conhecendo cotidianamente o Osvaldo, posso muito, mas muito particularmente falar para você que êle não tem nobreza moral. E o que é mais triste é que êle mesmo já põe reparo nisso e está se utilizando disso para viver”.
A relação entre os andrades nunca foi fácil. Oswald era dinâmico, extrovertido e cheio de pulsões sexuais fortes. Já Mário era o seu oposto em qualquer comparação: tímido, introvertido e não era habituado aos esquemas amorosos que Oswald mantinha em um apartamento no centro paulista. Em outro ponto da carta lê-se:
“Mas em que podia ajuntar em grandeza ou milhoria para nós ambos, para você, ou para mim, comentarmos e eu elucidar você sobre a minha tão falada (pelos outros) homossexualidade?”
Essa questão foi debatida em muitas outras cartas. Ambos eram homossexuais e também impotentes sexuais. Havia uma melancolia profunda em Manuel Bandeira, que aos poucos, à medida que as cartas de Mário chegavam de São Paulo, se transformam em tristeza: Oswald havia tagarelado para muitos sobre estes dois assuntos envolvendo Mário.
Mário, em um determinado ponto da carta, afirma que já não pode sair de casa com um amigo qualquer, sem que pessoas lhes incomodem com olhares e cochichos. As intrigas que as atitudes de Oswald causaram na vida de Mário estão fortemente documentadas nestas cartas ao amigo pernambucano. Não foram poucas. São Paulo era, e é, uma cidade conservadora, e ambos eram da elite paulistana. A humilhação que sentiu deve ter sido incomensurável. E havia uma satisfação sádica de Oswald em alardear a homossexualidade do amigo.
Mário nunca confrontou Oswald diretamente. Viveu alternando entre um homem resignado e humilhado. Em Bandeira encontrou um porto seguro para confidenciar tudo isso em cartas, porque tinham os mesmos debates internos.