*Jorge Semprún
-Você se lembra de Wittgenstein? -ele me perguntou, após um silêncio prolongado.
Eu estava contemplando o céu azul de agosto sobre o cemitério de Montparnasse. Sim, eu poderia, com um pouco de esforço, ter me lembrado de Wittgenstein, de nossas conversas sobre o assunto. Mas eu estava exausto, não tinha vontade de me lembrar de Wittgenstein, de fazer esse esforço.
Estava pensando em César Vallejo.
Sempre tive sorte com poetas. Quer dizer: meus encontros com suas obras sempre foram oportunos. Sempre me deparei, no momento certo, com a obra poética que poderia me ajudar a viver, me fazer progredir na acuidade da minha consciência do mundo. Foi o que aconteceu comigo com César Vallejo. E também, mais tarde, com René Char e Paul Celan.
Em 1942 o que descobri foi a poesia de César Vallejo. Não tinha sido agradável naquele ano. Fui obrigado a abandonar o curso preparatório da École Normale do liceu Henri-IV, para ganhar a vida. Em vez disso, sobrevivência: algo com o qual sobreviver em dificuldades. Ele mal conseguiu ensinar espanhol a estudantes de todas as idades, latim a jovens calamidades, filhos de boas famílias, que às vezes se revelavam odiosos. Eu só comia quente uma vez a cada dois dias ou mais. Muitas vezes comia bolinhos de trigo sarraceno que comprava sem cartão de racionamento em uma padaria que existia na época no Boulevard Saint-Michel, onde convergem a Rue Racine e a Rue de la École-de-Médecine.
Mas eu tinha descoberto a poesia de César Vallejo.
Gosto enormemente da vida
mas, claro,
com a minha querida morte e o meu café
e vendo os frondosos castanheiros de Paris…
Claude-Edmonde Magny acabava de invocar Wittgenstein, guardei para mim o poema de César Vallejo que me regressou à memória.
Jorge Semprún
Escrita ou vida