*Franklin Jorge
O sexo que eventualmente pode tornar-se tedioso, opera às vezes, sem que o percebamos, de uma maneira poderosa fecunda, na esfera criatividade.
Bloomsbury Group é um notável exemplo dessa conexão ativa que animou a produção artística e literária, em particular, da famosa fraternidade da qual Virgínia Woolf será talvez a expressão mais eminente e significativa.
Escrevendo sobre os meandros resultaram na criação de Orlando: uma biografia, Sandra M. Gilbert (edição Clássicos Penguin/Companhia das Letras) produz uma erudita exegese de uma das obras mais originais e surpreendentes da Literatura Inglesa, rica de peculiaridades que brilham com o fulgor de uma chama, parece-nos ter sentido o que sentiu a autora Virgínia Woolf ao escrevê-lo.
Raramente um estudo logrou atingir o âmago de uma obra que foge ao lugar-comum, como o fez essa brilhante exegeta na Introdução denominada Orlando: a Vita Nuova de Virgínia Woolf, datada de 1992. Sem dúvida o seu estudo está à altura dessa pseudo biografia, “espirituosa e paródica” que, das leituras de minha adolescência, o sortilégio traduzido em palavras. Como em a vida e as opiniões do cavaleiro Tristam Shandy, de Lawrence Sterne, inventor linguístico que enfeitiçou o nosso Machado de Assis, e era leitura constante do estilista Edgar Barbosa, cuja biblioteca inspiraria um livro excepcional, se tivéssemos aqui exegetas de tal calibre dessa norte-americana.
Descreve Sandra M. Gilbert com erudição e fluência admiráveis o modus vivendi do chamado Grupo de Bloomsbury, que reunia os nomes mais brilhantes de uma geração de criadores literários e estilísticos. E como puderam, na pessoa de Woolf, modificar a literatura, como algo intrínseco às suas próprias existências.
Como Sterne, seu predecessor, Virgínia tem uma inesgotável capacidade de ramificar os temas e expandir o tempo, não se deixando classificar nem incorrer em lugar-comum, antes agrada-se a si mesma, aio escrever esse divertissement literário que justapõe sátira e insensatez, como diria um seu crítico. Sua personagem, inspirada em Vita Sackavellie-West é, no decorrer de três séculos, sucessivamente, homem e mulher, desconstruindo a um tempo preceitos aparentemente imutáveis e negando a “heterossexualidade compulsória” questionada por Radclyffe Hall em O poço da solidão.
A vida de Orlando abrange cinco séculos de história da Inglaterra, ao mesmo tempo em que a autora desconstrói cânones respeitados por historiadores. O texto, considerado a mais longa carta de amor jamais escrita, inicia-se com um parágrafo intrigante:
“Ele – pois não poderia haver dúvida quanto ao seu sexo, embora a moda da época contribuísse para disfarça-lo – estava golpeando a cabeça de um mouro pendurada nas vigas do teto…”
[…]
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