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Siron, um artista multimidia

Artista pesquisador e crítico radicado na cidade de Inhumas, em Goiás, escreve sobre um dos grandes artistas de sua geração.

*Nonatto Coelho

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É possível que algumas pessoas nascem em determinadas épocas,  municiadas de características pessoais intrínsecas, capazes de exercerem influências nos seus contemporâneos, suscitando opiniões no presente e conjecturas no futuro, provocando ações pró-ativas, discussões, dúvidas pertinentes à vida em geral, elas marcam  seus tempos, direcionam, ou, criam tendências sociológicas, que são trilhadas por seres de sua espécie, resguardadas – bem entendido  – às suas idiossincrasias, ou peculiaridades em cada segmento social, seja ela qual for a dinâmica de suas atuações sociais:  na arte, na política, religião etc.

Como “d’habitude”, o tema que gosto de escrever é sobre arte e suas vizinhanças, principalmente o que ela, como vetor de emoções, possa causar em minha pessoa. Obviamente.

Durante os meus quarenta anos, de dedicação ao “metier artistique”, tenho observado as vogas, as correntes, as tendências que transitam no seleto mundo da arte visual, e,  nesse tempo de pesquisa e observação pessoal, algumas tendências estéticos formais, ainda continuam a me encantar,  outras já não tenho mais como interesses, de ordem pessoal. Nesse “interregno”, ou lapso de tempo, observando de perto o fenômeno da arte, um artista multimídia, permanece provocando minha curiosidade no que se refere à  arte visual, e que em meu ver marca de maneira indelével, sua (nossa) época na arte latino americana, principalmente na pintura; aqui falo sobre a arte de Siron Franco.

Siron (Gersiron Alves Franco) nasceu em Goiás, na antiga Vila Boa em 1947, ele vive e trabalha em uma chácara nos arredores de Goiânia. Um artista de difícil classificação artística, um multimídia que passa do campo bidimensional da pintura, para instalações, manipulando diferentes materiais e texturas. Seus temas, geralmente são retirados no amálgama político social do nosso cotidiano, somado à uma dose autofágica de suas próprias experiências de  vida, surgindo assim uma obra quase autobiográfica, uma expressão tautològica plasmada entre o antropo e sua plena expressão criativa. Um trabalho de densidade objetiva, que pode ser classificado no bojo do realismo fantástico, no surrealismo, ou,  na “nova objetividade”, de um Brasil contemporâneo à beira de  uma convulsão político social.

Siron Franco ascendeu como um grande nome na arte brasileira ainda muito jovem, recebendo o prêmio internacional de pintura da XII Bienal de São Paulo em 1975, além de inúmeros outros importantes prêmios da arte brasileira. É um dos artistas mais importantes do Brasil, com renome internacional; em 1992, eu estava na Alemanha, e comprei a mais importante efeméride sobre arte naquele país, o calhamaço Kunstforum n° 119, e, em um texto assinado  pelo importante artista e crítico de arte alemão, o Nikolaus A. Nessler, sobre arte sul-americana, e, entre outros grandes nomes  da arte latino-americana, ele se referia ao Siron Franco e sua importante arte de denúncia político social, no amálgama da arte contemporânea.

O artista faz de seu endereço em Aparecida de Goiânia, uma referência internacional para a arte brasileira. E sua pintura, principalmente da década de 80 é visceral, pulsante, uma crítica mordaz e cáustica à destruição do meio ambiente, às deformidades patológicas, caquéticas dos agentes políticos de um mundo onde a ambição sem escrúpulos destroem sonhos e vidas…

Siron, na pintura consegue ser “denuncista” sem ser panfletário, ele expõe uma mensagem cifrada, fragmentos de momentos vividos pelo autor, com referências de sua vida vivida desde sua infância até a atualidade, ou mesmo, eventualmente a última notícia do jornal televisivo da noite, e tudo isso pode aparecer fragmentado pelo seu pincel em telas policrômicas, que são disputadas avidamente pelos colecionadores.

Suas instalações, tem caracteres inverso das pinturas, primeiro pelo caráter anticomercial inerente à uma instalação artística, depois, quase sempre essas instalações são realizadas para impactar diretamente a sensibilidade do espectador, onde muitas das vezes a mensagem é direta, sem recorrer à metáforas desnecessárias; nesse caso o ativismo do antropo, a sua mensagem política sobrepõe ao artista.

Siron Franco é um artista “taquigrafo”, suas ideias transbordam com rapidez, e na sua voracidade, não cabem apenas na tridimencionalidade de uma superfície pictórica, dado ao seu caráter irrequieto: Das pinceladas em telas de algodão, aos happenings espaciais de suas instalações temáticas,  acontecem com a naturalidade e a velocidade que suas ideias exigem, daí para o conceito é um caminho à ser seguido,  a parte complementar que leva ao deleite intelectivo do espectador.

O Brasil ainda prescinde de uma identidade para chamar verdadeiramente de “nossa”, somos ainda uma sociedade dispersa, sem um norte de cultura para nossas raízes autóctones, como já se apresentam ostensivamente em alguns países aqui vizinhos, no nosso continente. Prescindimos ainda de uma política cultural de exportação dos nossos artistas, temos uma das maiores vitrines da arte internacional, que é a Bienal internacional de São Paulo (que em tempos áureos, já foi considerada a 3° maior exposição do mundo), mas, ela introduz facilmente a arte de outros povos no nosso meio, nas artérias culturais do Brasil, nos inoculando sem filtros, arte alienígenas aos costumes  locais, nao tenho nada contra a arte internacional,  mas essa mesma Bienal, que poderia produzir um intercâmbio mais efetivo, com outras nações, impondo a fértil arte brasileira à outros povos, é ainda muito tímida, anêmica, quase inexistente no quesito de exportação da arte local e nacional.

Siron é um artista brasileiro, seu tema é local e concomitantemente universal, sua fatura temática é nacional, mas ainda falta sua merecida consagração internacional. Para isso acontecer de fato, devemos romper a bolha dos centros hegemônicos que exercem uma ditadura artística, sediadas no eixo Paris, New York, Londres e Tóquio. Arte nós temos, e esse artista goiano é universal na sua essência brasileira. Falta o Brasil fazer seu dever de casa, que é o de nos fortalecer como uma nação independente, observando e valorizando a criatividade do artista brasileiro.