*Percival Puggina
Foram apenas três cliques chamando a memória do computador. Mesmo antevendo algo assim, surpreenderam-me os números. Localizei 45 artigos meus atacando os abusos de poder do nosso Supremo Tribunal Federal. Refiro-me a artigos que levam, no título, a sigla STF ou a palavra Supremo, porque menções às tropelias do órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro foram contadas em 142 outros diferentes textos e em dez vídeos que gravei.
O primeiro desses artigos tem o título “AI-5 do Supremo”. Foi publicado na minha coluna de Zero Hora do domingo 22 de maio de 2011. Vê-se nele que, há nove anos, oito ministros indicados pelo PT já davam as cartas no STF. Nele, profeticamente (perdoem-me a presunção), escrevi:
Assim como Geisel concebeu a “democracia relativa” (relativa à sua vontade), o STF inventou a relativização da Constituição (relativizada ao desejo de seus ministros). Escancarou-se a porta para o totalitarismo do Judiciário. Passou o bezerrinho. Atrás virá a boiada. Doravante, se um projeto de lei não tiver guarida no Congresso, recorra-se ao Supremo. Sempre haverá um princípio constitucional para ser espremido no pau-de-arara das vontades presentes.
Na passagem da boiada, ganhou volume a ideologização e a partidarização no cume do judiciário brasileiro, originando um inevitável estresse com os eleitores do presidente eleito em 2018. Como se o PT na oposição ou no poder fosse um modelo de virtuosa cordialidade, manobras retóricas cuidam de creditar esse estresse à atuação da direita, nova protagonista no cenário brasileiro.
Ofereço ao leitor esta resenha de recentíssimas declarações públicas de alguns membros do STF. Todas foram relatadas acriticamente pela imprensa nacional.
Celso de Mello 01/06
“É preciso resistir à destruição da ordem democrática para evitar o que ocorreu na República de Weimar, quando Hitler, após eleito pelo voto popular não hesitou em romper e em unificar a progressista democrática e inovadora Constituição de Weimar”.
Dias Toffoli 09/06
“(…) Bolsonaro deve parar de ter atitudes “dúbias” em relação à defesa da democracia”. Mais adiante: “Essa dubiedade impressiona e assusta a sociedade brasileira e a comunidade internacional”.
Carmem Lucia 24/06
“Acho muito difícil superar a pandemia com esse descompasso, com esse desgoverno”.
Luiz Fux 06/08
Ministro diz à Veja que “o bolsonarismo atrapalhou a agenda internacional do STF”.
Gilmar Mendes 11/07
Desconhecendo o fato de haver na galeria dos ex-ministros da Saúde uma dúzia de titulares não médicos, Gilmar Mendes repreende o governo e os militares pela presença do General Pazuello no comando da pasta. As palavras são bem alinhadas com o vocabulário oposicionista: “Nós não podemos mais tolerar essa situação que se passa com o Ministério da Saúde. (…) O Exército está se associando a esse genocídio”.
Roberto Barroso 26/08
“Temos um Presidente que defende a ditadura e apoia tortura, e ninguém defendeu solução diferente do respeito à liberdade constitucional. (…) A democracia brasileira tem sido bastante resiliente, embora constantemente atacada pelo próprio Presidente. Uma coisa que contribui para a resiliência da democracia no Brasil é justamente a liberdade,, independência e poder da imprensa.”
Edson Fachin 01/09
O ministro fala sobre um confronto, em 2022, entre duas agendas (ele já tem a dele e está em campanha): “(…) uma agenda toda fincada em elogios à ditadura civil militar, uma agenda de mentes autoritárias, de menosprezo à democracia, que mistura o nome de Deus com negócios de Estado, uma agenda que tem uma política armamentista, que desrespeita as instituições democráticas, que ofende a imprensa (…)”. Essa agenda, segundo o ministro “se contrapõe à do campo democrático”.
Na minha perspectiva, como procurei demonstrar no início deste artigo, há pelo menos dez anos venho apontando o autoritarismo do STF. Aqui, sim, vejo autoritarismo sectário e grosseiro. Grosseiro como o presidente nunca foi em relação a esse poder, mesmo nos momentos mais tensos. Nos governos petistas, sem resistência, ampla maioria do Supremo afinada com aqueles que os nomearam, atropelavam o parlamento e as prerrogativas constitucionais desse poder, manipulando a Constituição como se fosse massa de moldar. Agora, imputam autoritarismo ao presidente ainda na primeira metade de seu mandato, marcado por uma disciplinada submissão às mais descabidas intromissões em seu ofício.