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Sobre desastres ambientais e ideologias

Advogado e escritor baiano questiona o posicionamento dúbio de ambientalistas, organismos internacionais, imprensa e artistas sobre os recentes desastres ambientais ocorridos no Brasil; para ele, pela questão ideológica, a esquerda exagerou em responsabilizar o governo de direita pelos incêndios na Amazônia e se omite diante das toneladas de óleo venezuelano que contaminam a costa de todos os Estados do Nordeste

Elicio Santos do Nascimento

Como estabelece o preceito bíblico “dai a cada um o que deveis: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem temor, temor; a quem honra, honra”  (Romanos 13.7) e ditados populares como “o pau que dá em Chico, dá em Francisco”, é inevitável que toda argumentação racional, pautada em honestidade intelectual, derive da imparcialidade dos fatos.

Não há dúvida nenhuma acerca dos erros cometidos pelo atual governo Bolsonaro, mas também é verdade que os órgãos de imprensa e as organizações internacionais são parciais ao veicularem informações, bem como ao defenderem determinados pontos de vista.

Na verdade, como será demonstrado, há muita razão em desacreditar dos pontos de vista abraçados pela maioria desses órgãos, pelo simples fato de eles se contradizerem em grande parte da apologia social e política que realizam. Isso vale tanto para a direita quanto para a esquerda, mas o enfoque neste artigo repousa sobre a parcialidade da ideologia de esquerda.

“A Amazônia é o pulmão do mundo.” À medida que as notícias sobre os incêndios na floresta amazônica – em voga há alguns meses – se espalharam pelo mundo, essa afirmação enganosa foi divulgada e repetida à exaustão. Veículos conceituados como a CNN, ACC News, Sky News e celebridades como o presidente francês Emmanuel Macron, a senadora americana e candidata à presidência Kamala Harris, e o ator e ambientalista Leonardo DiCaprio publicaram e replicaram essa falácia que atribui ao bioma amazônico à capacidade de gerar boa parte do oxigênio mundial.

Todavia, essa categorização se fundamenta em estimativa grosseira, conforme a pena de cientistas que angariam enorme conhecimento de causa como, por exemplo, Michael D. Coe, dirigente do Programa da Amazônia no Woods Hole Research Center, em Massachusetts (EUA), e Yadvinder Malhi, ecologista do ecossistema do Instituto de Mudança Ambiental da Universidade Oxford, na Inglaterra. Ambos afirmam que o efeito real do oxigênio da Amazônia, ou de qualquer outro bioma, para o planeta é próximo a zero. Basta uma rápida pesquisa no Google para verificar a concordância entre os estudiosos do assunto. Em linhas gerais, a Amazônia não é o pulmão do mundo porque a maior parte do oxigênio existente no planeta é gerado nos oceanos.

Prosseguindo, embora a responsabilidade do atual governo pelos recentes incêndios na Amazônia não deva ser descartada, o registro das queimadas na Amazônia Legal desse ano não foi o maior, como propagado em diversas fake news. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) detectou em todo o mês de agosto 30.922 focos de incêndio, número mais alto desde 2012, quando foram registrados 35.263 focos. O pior ciclo de incêndio foi registrado no mês de agosto de 2005, quando foram computados 73.683 focos de incêndio na Amazônia Legal.

Cabe aqui uma pertinente indagação: por que na época essa estatística das queimadas não foi amplamente divulgada, enquanto a desse ano praticamente gerou um clima mundial pré-apocalíptico? A Organização das Nações Unidas (ONU), a mídia internacional, os organismos ligados aos direitos humanos, ONGs, Judiciário etc. uniram-se na empreitada de “salvar o mundo”.

Falou-se até em reduzir a soberania brasileira sobre o bioma amazônico que integra seu território. Mas em 2005, o que foi feito? Quem estava no poder? Todo esse arcabouço político, jurídico, social foi instalado por um mundo melhor ou por interesses ideológicos? Dizem que um exemplo vale mais do que mil palavras. Alguns foram honestamente apresentados.

Atualmente ocorre nova tragédia ambiental. Toneladas de óleo atingem os Estados da região Nordeste do Brasil. Segundo Fernanda Pirillo, coordenadora-geral de emergência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), um derramamento de óleo com esse alcance nunca foi detectado antes pelo órgão: que existe há três décadas.

Até o dia 30 de setembro deste ano havia 139 localidades afetadas em 63 cidades de oito Estados da região. Em 3 de outubro, as manchas de óleo chegaram à Bahia. Há registro de contaminação em várias praias do litoral sul baiano, como na capital Salvador e em cidades do interior como Itacaré e Ilhéus. Mais de 2 mil quilômetros de praias, costões, manguezais e estuários como o de São Francisco, além de ilhas e arquipélagos, encontram-se atingidos e ameaçados.

A ONU se pronunciou a respeito, como na época do alarde acerca dos “maiores incêndios da história da Amazônia”? Instalou-se a iminência de um apocalipse como na ocasião? Não! Por que será? Bem, comprovou-se que a origem do óleo derramado é venezuelana. Segundo o presidente do Ibama, Eduardo Bim, há a possibilidade do derramamento de óleo possuir natureza criminosa, pois, caso contrário, o vazamento teria sido relatado internacionalmente. A ONU está investigando a causa desse derramamento de proporções gigantescas? Será a Venezuela culpada? Enquanto não há respostas, coube à ONU galardoar o regime socialista de Nicolás Maduro com uma cadeira junto ao seu Conselho de Direitos Humanos.

Sim, infelizmente essa notícia não é fake. Verdade é que, enquanto os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU visam erradicar várias mazelas humanas até o ano de 2030 – entre elas proteger as crianças da violência e da miséria, assegurar o exercício das liberdades fundamentais, promover a paz, justiça e a criação de instituições que promovam a participação popular na tomada das decisões públicas, dentre outras metas previstas, sobretudo na ODS nº 16 –, a Venezuela abocanha uma cadeira em um Conselho da ONU que visa à garantia dos direitos que jamais foram assegurados aos cidadãos venezuelanos nos governos bolivarianos. No atual regime socialista da Venezuela, 87% da população vive na pobreza e 61% na pobreza extrema, segundo dados fornecidos pela Coligação de Organizações pelo Direito à Saúde e à Vida (Codevida).

Conforme a mesma instituição, 55% das crianças venezuelanas com menos de cinco anos de idade padecem de subnutrição e tais dados foram divulgados durante uma reunião da ONU. A crise na Venezuela alcança níveis tão desumanos que, segundo o site “PanAm Post”: “Ramón Muchacho, prefeito de Chacao (uma subdivisão administrativa de Caracas), disse que as ruas da capital venezuelana estão repletas de pessoas matando animais para comê-los. Em seu Twitter, Muchacho relatou que na Venezuela há pessoas catando gatos, cachorros e pombos para aliviar a fome”.

Um país onde impera o autoritarismo, a miséria e a ausência de transparência na administração dos recursos públicos será membro no Conselho dos Direitos Humanos na ONU. Desastres ambientais de grandes proporções, que ocorrem em governos de direita, recebem uma atenção estratosférica, enquanto desastres maiores, quando ocorrem em regimes de esquerda, não alcançam tanta relevância política e midiática. A argumentação apresentada pode ser mero fruto de especulação conspiratória ou a pura realidade. Quem for honesto intelectualmente perceberá.

Elicio Santos do Nascimento, advogado, servidor público municipal em Ilhéus (BA), colunista das revistas “Avessa” e “Ema” e colaborador dos sites Philos, Recanto das Letras e Ilhéus.Net, é autor dos livros “Fábrica de Sentidos” (Leia Livros; 214 págs.; 2017), “O Porquê das Coisas” (Leia Livros; 80 págs.; 2016), “Contos Urbanos” (Redondezas Contos; 44 págs.; 2014), dentre outros.

SILÊNCIO CÚMPLICE Servidores da prefeitura e voluntários recolhem o óleo produzido na Venezuela, segundo estudos da UFBA e da Petrobras, que chegou à praia dos Carneiros, em Tamandaré, no litoral Sul pernambucano; acidente, que pode ter sido criminoso, atingiu a fauna, a flora, o turismo, a economia e a saúde dos morados de, ao menos, 194 localidades litorâneas de todo o Nordeste; defensores da Amazônia e críticos das queimadas naquele bioma se calam diante da tragédia no mar e na costa da região