*Simon Leys
Albert Thibaudet, crítico extraordinário, fez uma distinção interessante entre escritores que “têm uma posição” (pense em Victor Hugo, por exemplo) e escritores que “têm uma presença” (e aqui o exemplo de Stendhal vem imediatamente à mente).
Quando lemos Les Miserables nos sentimos cativados, inspirados, sobrecarregados, sem necessariamente sentir uma urgência especial para conhecer a fundo a vida de Hugo; ou, se o fizéssemos, provavelmente não aumentaria nossa estima por sua obra-prima, poderia até diminuir nossa admiração, pois descobrimos que o autor era um pouco menos magnânimo que sua criação.
Com Stendhal é precisamente o contrário. Os beylistas (é curioso que os admiradores de Hugo não se intitulam hugoístas) devoram apaixonadamente cada pedaço de papel em que Henri Beyle escreveu alguma coisa – na verdade, algumas de suas ideias, chistes e paradoxos mais originais foram surgindo aleatoriamente, de maneira totalmente casual : anotado nas margens dos livros, em folhas soltas ou no verso de envelopes usados. Lemos todos com igual avidez, na esperança de obter uma compreensão cada vez mais íntima do homem por trás da escrita.
Na conclusão de seu ensaio sobre Stendhal, Paul Valéry compreendeu o coração do mestre: “Na minha opinião, Henri Beyle é muito mais um tipo de “talento” do que um homem de letras. Ele é demasiado ele mesmo para ser redutível à condição de escritor. Isso é o que eu gosto nele, o que eu não gosto e gosto. Eu nunca terminaria com Stendhal. Não consigo pensar em nenhum elogio maior.”
Simon Leys
Com Stendhal
Imagem: Stendhal, esboço de seu próprio epitáfio em italiano: “Errico Beyle, milanês. Ele viveu, ele escreveu, ele amou.
Esta alma adorava Cimarosa, Mozart, Shakespeare»