*Franklin Jorge
Afinal, viver cansa e nos exaure.
Fico a imaginar a figura mítica do Judeu errante, condenado a não morrer até os fins do tempo, sempre a vagar sem descanso, século após século.
Jamais nenhum castigo me pareceu mais terrível do que este que lhe foi destinado. Viver eternamente, sem o conforto da morte, eis uma ideia que aterrava-me desde a minha infância, quando comecei a ouvir de uns e de outros a sua história.
Borges tem um conto aterrador no qual um determinado objeto nunca quebrava e ninguém podia se livrar dele. Eis uma ideia, aparentemente simples e banal. Talvez por isto eu tenha horror aos pratos e xícaras chamados de Colorex, que, ao serem lançados, há mais de 50 anos, dizia-se que não quebravam nunca, mesmo quando caíam sobre o cimento. Tenho a impressão que é verdade, pois em minha vida já dilatada jamais vi o caco de um prato Colorex. Os que possuo, nenhum foi comprado por mim; foram presentes. Sempre que posso, quando alguém não estás olhando, jogo-os no lixo.
Mas voltemos ao Judeu errante e às delicias da morte, sempre exaltadas pela grande escritora argentina, autora de Sumergidos, que costumava discorrer em algumas de suas cartas sobre quão era delicioso e divertido deixar esta vida. Olhar, até a dissipação da imagem, aqueles que ficam na praia, condenados à vida, enquanto nos afastamos na esperança de que seja para sempre.
É isto o que nos consola.