*Franklin Jorge
Dentre os livros de minha antiga biblioteca havia alguns títulos que eu separara com o proposito de os reler quando estivesse mais velho ou aposentado e recolhido a um lugar que em minha imaginação seria a Quinta Verdejante, denominação atribuída por um querido amigo e terapeuta holístico em São Paulo, logo acolhido por mim, que não teria tido uma ideia melhor para definir a dimensão de minha esperança. Um lugar que me restituiria involuntariamente um pouco de minha infância rural.
Quinta Verdejante… Uma casinha de moradia, nem pequena nem grande, nos fundos de um espaço bem maior destinado ao meu trabalho e às confraternizações, entre jardins e pomares, onde eu pudesse viver e conviver não apenas com os meus livros e papeis, com os meus amigos – que serão sempre poucos mas selecionados, por ser a amizade uma dadiva rara e de custosa obtenção -; e os gatos, esses pequenos tigres domésticos que são os príncipes do reino animal; algumas galinhas suspicazes e a disposição de ter os meus arquivos e coleções franqueados à comunidade de pesquisadores de uma cultura pobre e desvalida. Reunidos em mais de 50 anos de obstinado labor intelectual, mantidos vivos pela vontade de produzir uma obra que justificasse minha existência e me representasse no futuro.
Quis o fado, no entanto, que os livros fossem roubados e vendidos em sebos da cidade velha e tudo se passasse doutro modo. Como ocorre quase sempre a todos os seres humanos, que de repente, não mais que de repente, se veem de cabeça para baixo e pernas para o ar, como, em Roma, São Pedro foi crucificado por sua fé.
Nota do Editor. Aguardamos colaborações ara publicação neta seção, enviadas por seus autores ou leitores com as referências de praxe.
Palimpsestos
[Fragmento de Jornal íntimo ainda inédito]
Foto do estúdio de Franklin Jorge
Pitimbu, 2021.
