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Submergida no fluxo da consciência

Colaborador de Navegos reflete e analisa uma das obras capitais de autora inglesa que se notabilizou como uma mergulhadora abissal do ‘fluxo da consciência’.

*Alexsandro Alves

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Fluxo de consciência, alusões literárias e livres associações oníricas são as características do melhor do romance moderno e contemporâneo. Desde “As Ondas”, de Virgínia Woof ou “Ulisses”, de James Joyce, o interesse por uma narrativa que abandone os feitos épicos e grandiosos em favor do intimismo, da vida interior ao invés da vida social e das nuances mais sutis dos personagens têm gerado obras por vezes tão idiossincráticas quanto experimentais – talvez o cume dessa vertente seja o ilegível “Finnegans Wake”, também de Joyce: as dez palavras de cem letras que Joyce cria na narrativa é caso de esquizofrenia, mas isso é apenas a parte mais exterior dos problemas desse livro.

“As Ondas” é o livro mais experimental de Woof. Nele, cinco personagens, da infância à fase adulta, são mostrados em sua relação entre si e com um sexto personagem, Percival. Estes personagens têm características que recordam amigos da escritora e a própria escritora.

É uma tarefa complicada definir a obra, porque Woof não mede esforços em diluir as convenções entre prosa e poesia. Os cinco monólogos interiores que estruturam a obra parecem flutuar entre o desejo de definição próprio de um texto em prosa e as indefinições caras à poesia. Em seus diários, a escritora aponta que nem mesmo os seis personagens deveriam serem entendidos como personagens diferentes. Seriam a mesma consciência em diferentes facetas dentro da continuidade.

Eu não acredito que as grandes narrativas acabaram. A escolha por uma narrativa que prioriza o interior ao invés do exterior, o sentimento ao invés do acontecimento, o “eu” ao invés do “outro” e o drama interior ao invés do épico, colocou a literatura, ou melhor, abriu as portas da literatura para a riqueza ainda mais vasta da psiquê do artista, que é tão grandiosa quanto as façanhas de Aquiles, de Odisseu ou de Eneias.

Além disso, as duas grandes guerras mundiais reduziram, consideravelmente, o desejo por uma literatura que persistisse em ser espelho ou narrativa de uma mentalidade belicista. Os grandes escritores são aqueles que mais reduziram, interiorizaram, sua narrativa. Essa redução abarcando tempo, espaço geográfico, ações. As quase mil páginas do “Ulisses” passam-se em um único dia, assim como “Mrs. Dalloway” (de Woof). Mesmo narrativas como “Em Busca do Tempo Perdido”, de Proust, que temporalmente abarca décadas, têm caráter introspectivo. Thomas Mann da mesma maneira: suas novelas “A Morte em Veneza” e “Tonio Kroger” são diários íntimos de seus personagens.