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Suicídio, a culpa que corrói

O suicídio é ainda um tema tabu sobre o qual as pessoas evitam falar, embora já haja o “suicídio assistido” em alguns países civilizados. Em todo caso, o pior do suicídio é o rastro de culpa que deixa e sobrevive ás gerações. O texto aqui publicado é uma cortesia da Chabadorg.

*Rabino Aryeh Kaplan

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Certa vez ouvi um célebre psiquiatra discorrer sobre os aspectos psicológicos do suicídio. Não é fácil entender o suicídio, pois é difícil imaginar como alguém pode realmente tirar sua própria vida. A que nível de desespero uma pessoa é levada antes de destruir sua própria existência? O que vai dentro de sua mente quando decide dar este passo final? O psiquiatra enfatizou que muitos suicídios originam-se de culpa não resolvida, resultante de um pecado contra o próximo, contra D’us ou contra si mesmo.

Este sentimento de culpa torna-se grande demais para suportar e começa a embalar ideias de não existência. A destruição do próprio ser torna-se, em sua mente, uma alternativa agradável a uma vida oprimida por este poderoso sentimento de vergonha. Sabe que não há como escapar de sua culpa, não vislumbra nenhuma forma de recomeço e só lhe resta exterminar com sua vida. Isto se tornou claro para mim como um raio. Quando morávamos em Washington, havia uma família no prédio com quem tínhamos amizade. À época, não sabíamos que o marido era infiel à esposa. Ele guardava bem o segredo, mas não conseguia ocultar de si mesmo a culpa. Quem poderia imaginar quais tempestades atormentavam-lhe a mente?

Dividido entre a culpa e seus anseios, a tensão foi insuportável. Certa noite, foi de carro até um lugar deserto, puxou uma mangueira do escapamento para dentro do carro, forrando tudo com cobertores e ligou o motor. Seu corpo foi encontrado na manhã seguinte, o rosto com o arroxeado característico do envenenamento por monóxido de carbono. Deixou uma viúva e quatro órfãos. A pergunta que permanece é o que era pior: enganar a mulher ou deixá-la viúva com quatro crianças sem pai? Como poderia este homem tirar sua própria vida quando tinha tanto para viver?

Com certeza qualquer tipo de vida é preferível a cometer suicídio! Mas não entendemos a força da consciência humana, o ser interior que julga os atos e leva o individuo a cometer atos irreversíveis como a própria morte. Cada um possui um código moral, algum senso de certo ou errado, uma consciência do bem e do mal. Alguns agnósticos vão tão longe a ponto de dizer que a razão de não acreditarem em D’us não se deve a amar menos a religião, mas por amarem mais a consciência!

Há muitos que afirmam não acreditar na alma humana, mas prendem-se firmemente à ideia da consciência humana, ao conceito intrínseco do bem e do mal. Certa vez uma criança disse que consciência era “sentir tão mal quando tudo o mais sentia tão bem”. Os muitos filósofos e moralistas que estudaram a consciência humana não conseguiram chegar a uma definição melhor. Sentimos as pontadas da consciência, aquela voz interior emitindo um julgamento sobre nossos atos. É um juiz que condena sem misericórdia, expulsa sem apelação. Por vezes pode nos sentenciar à prisão perpétua numa cela de culpa e vergonha feita por nós. Para muitos, a única saída desta prisão é o suicídio ao aceitar a própria consciência como o único juiz.

O homem é seu mais severo juiz. Suponhamos querer satisfazer por completo a consciência, arrependermo-nos dos erros cometidos. Que tarefa, não? Deveríamos pensar no passado, lembrar todas as palavras que ofenderam a alguém, que causaram dor, que cortaram como um chicote um coração sensível, palavras que angustiaram um amigo, a alguém que amamos.

Teríamos de ir de pessoa em pessoa a quem ferimos com palavras, para reunir sua dor e trazê-la a nossos corações. Teríamos de lembrar tudo o que fizemos; tudo que hoje nos envergonha; todos os feitos que machucaram, que levaram embora a paz e alegria, que trouxeram dor. Teríamos de dizer a nossa consciência: “Sou culpado de tudo isso. Deixe-me suportar a punição que com justiça mereço.”

O tribunal em nosso próprio coração dosaria a pena; quanto sofrimento suportaríamos, quanta punição, qual o castigo por partir o coração de alguém, por mentir, por fomentar suspeitas vãs, por dizer uma palavra cruel e má. Quanto seria?

Se fosse possível lembrar de cada ano, mês e dia de nossa vida, e se a consciência, totalmente desperta e implacável, fosse fixar uma pena por erros, nosso coração seria esmagado, pois não seríamos capazes de aguentar tal peso. Muitos sentem que podem viver sem uma religião formal, estabelecendo seus próprios padrões morais. Cada ser humano tem seu próprio código de conduta e ética, mas o que acontece quando deixa de manter os altos padrões exigidos por ele mesmo? Sua carne e ossos podem ser consumidos pela culpa. Seu pecado pode ser sua ruína, pois não há ninguém para perdoá-lo.

A era atual, quando tanto nos apoiamos na consciência, tornou-se uma época de tranquilizantes e an-fetaminas, colapsos nervosos, alcoolismo e drogas. Entre os judeus ortodoxos, nossos antepassados, que viviam segundo um código de conduta, estes levantes eram menos comuns.

Ao se aceitar a Lei Divina, um código moral dado por D’us, não mais se é forçado a sofrer a tirania da consciência. Apenas D’us, o Pai de todas as mercês, o Tribunal Piedoso, é seu Juiz. O mesmo D’us que nos ensinou o que é certo e o que é errado, também ensinou que quando alguém se arrepende de seus pecados é perdoado. Isto é o que D’us disse ao rei Shelomô depois que o Primeiro Templo foi concluído: “E se Meu povo, sobre quem Meu nome é chamado, se tornar humilde, rezar, buscar Minha face e se afastar de seus caminhos perversos, então Eu ouvirei dos Céu e perdoarei seus pecados.” (Divrê Hayamim II VII:14).

Cada um pode escolher seu modo de vida. Pode ser seu próprio juiz, sujeito ao jugo de uma consciência cruel e impiedosa; ou pode aceitar D’us como seu Juiz, um D’us piedoso e misericordioso, que contém a ira e é cheio de bondade e justiça. Tornar-se juiz de seus próprios atos significa viver sem a esperança do perdão, enquanto aceitar a D’us como Juiz é abrir as portas do perdão, ser capaz de recomeçar e zerar o passado.

Um dito talmúdico de Rabi Yishmael diz: “Não fosse pelo fato de D’us ter criado o arrependimento, não estendesse todos os dias Sua mão para receber quem retorna a Ele, o mundo não poderia existir.”

O judeu fiel não está preso por seus erros. Sempre pode se voltar a um D’us ansioso e pronto a perdoar, a Quem se pode chegar a qualquer tempo e em qualquer lugar para confessar a transgressão perante o Todo-Poderoso e pedir perdão.

D’us fez Sua promessa por meio de Seu profeta Yesha’yáhu: “Se os seus pecados se tornarem vermelhos como escarlate, poderão tornar-se brancos como a neve; se serão vermelhos como carmim, poderão ser transformados brancos como a lã” (Yesha’¬yáhu I:18). “Se tu buscares o Senhor seu D’us, o encontrarás, se O procurares com todo o teu coração e com toda a tua alma.” (ibid. XLIII:25). Aquele que em nada acredita, não possui a verdadeira liberdade de escollha, sua enriquecedora libertação da culpa. Busca a fuga pela irrealidade, drogas ou o esquecimento suicida. Mas nunca se deve pensar que apenas por se manter a vida toda longe de D’us não há esperança. Nada pode estar mais longe da verdade!

Maimônides afirma que, mesmo que uma pessoa passe a vida blasfemando e pecando contra D’us, Ele está sempre pronto a aceitá-la de volta, pôr uma pedra sobre o passado e permitir-lhe recomeçar. Seja velho ou moço, nunca é tarde demais. D’us nos disse pelo profeta Yesha’yáhu: “Porei de lado todas as transgressões como uma bruma e seus pecados como uma nuvem. Volte para Mim, pois Eu o redimirei” (ibid. XLIV:22).

Temos a oportunidade de nos livrar de todo pecado e culpa, uma chance de virar a página. Deus nos deu esta oportunidade. Como ousaremos negligenciá-la?

Traduzido e adaptado de Encounters