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Também se trata de terrorismo musical

Trecho de uma entrevista de Hans Christoph von Bock com Frank Castorf para a tv pública alemã, Deutsche Welle.

*Frank Castorf

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Encenar a gigantesca tetralogia O Anel do Nibelungo é uma grande honra – e responsabilidade também. Ainda mais na meca wagneriana de Bayreuth e justo no bicentenário de nascimento de Richard Wagner.

Entre diversos outros diretores, o escolhido foi Frank Castorf. O homem de teatro, nascido em 1951 em Berlim Oriental, é diretor geral do Berliner Volksbühne e notório por desrespeitar as convenções teatrais e protagonizar um ou outro escândalo artístico.

Assim, para além do mundo dos fãs da ópera e de Wagner, é grande o suspense em torno da interpretação que Castorf dará do ciclo operístico, com 16 horas de duração.

 

Deutsche Welle: A busca de um encenador para o Anel do Nibelungo no bicentenário Wagner demorou. Foram diversos candidatos e muitas recusas. Por que o senhor aceitou?

Frank Castorf: Como digo sempre: eu venho do Leste, e lá se compra banana quando tem banana.

Quer dizer, o senhor não podia deixar escapar uma chance como essa?

Não é bem assim. Eu nunca estive em Bayreuth. É sempre especial conhecer algo novo. E Bayreuth é especialmente interessante devido a sua história, com os muitos sistemas sociais que a casa sobreviveu e acompanhou ideologicamente. Todo o resto faz parte da rubrica “vaidade” – e eu sou muito vaidoso! Agrada-me também a brevidade e a densidade do festival, um período em que a pessoa pode ser estimulada – e até sobrecarregada – pelo trabalho. São 16 horas de música para serem encenadas em menos de dois meses: é preciso ter um fôlego bem longo e mostrar uma certa falta de escrúpulos diante das próprias suscetibilidades, visões e intenções. E isso me dá prazer.

O senhor é conhecido por não ser adepto de montagens teatrais lineares. Em vez disso, tem a fama de lançar olhares novos sobre um material dado. No tocante ao Anel, no entanto, a fidelidade à obra é mandamento absoluto. Algo que, na verdade, não combina com sua forma de trabalhar.

Correto. E isso já me fez desistir de montar óperas muitas vezes. Tive vários convites como encenador e recusei a maioria deles. Porque na ópera eu, justamente, não tenho essa liberdade de me mover com a trama através do tempo e do espaço, como me dá vontade. Pois para mim esse é o motivo decisivo para fazer algo. Senão, teria ficado na Deutsche Reichsbahn [companhia ferroviária da República Democrática Alemã, em que Castorf fez formação profissional], tendo que cuidar só da pontualidade dos trens. Mas são os desvios que me interessam. Conversei com o maestro Kirill Petrenko a respeito. E ele disse: “Gostaria muito de pedir, em relação à partitura, ao libreto, que nós mantenhamos a fidelidade à obra”. Isso é uma coisa. Mas também se podem contar histórias divergentes, de forma bem intrincada, que talvez esclareçam mais precisamente a temática, sem violar a fidelidade à obra. E é isso que queremos tentar aqui. Como Wagner dizia: também se trata de terrorismo musical.

 

Da esquerda para a direita: Eva Wagner-Pasquier, Katharina Wagner e Frank Castorf. Foto: Picture-Alliance/DPA