*Renato Medeiros
O clima é de uma secura só, na paisagem árida dá para ver os galhos retorcidos pelo calor, o mato é um deserto mortuário onde carcaças são tapeçaria. Já, o sol é um astro impiedoso e o carcará sobrevoando o céu um lamento de agouro. Esse é o cenário das histórias de cangaço, verdadeiros momento contraventor da ordem estabelecida e que nomeia a polícia por cabras, seus eternos inimigos. Esse ambiente é o pano de fundo no qual as histórias de sertanejos e suas vicissitudes se desenrolam, numa terra semi deserta, onde só permanece quem é realmente forte. Assim dizia Euclides da Cunha em seu livro Os sertões e Guimarães Rosa em outro livro Grandes Sertão Veredas descrevia esse vaticínio, e encontramos algo semelhante em O Quinze de Raquel de Queiroz.
A literatura é farta de exemplos do poder de sobrevivência e resistência do sertanejo. A capacidade de adaptabilidade e de conseguir transitar por um cenário inóspito e mortal como o do sertão não é para qualquer um. Essa paisagem poderia ser observada somente pelo seu lado de pobreza, miséria e desolação. Temas fatalmente destacados pelos séculos desde que o nordeste existe, e o noticiário do resto do pais destaca negativamente e de forma demeritória a região, isso sempre foi assim. Mas existem histórias e fatos a se contar sobre a região que desfilam pelo imaginário de quem encontra-se com a sua cultura e folclore. Isso pode acontecer através dos aspectos econômicos e humanos. Da capacidade da região desenvolver novas formas de plantio resistente a estiagem e armazenagem de água que podem ajudar a outras partes do país. A produção de conhecimento desenvolvida em suas universidades, a literatura e poesia que tanto contribui para a cultura do país, a música e demais artes.
Mas existem outros meios para se conhecer o nordeste como os cordéis e suas histórias, dos causos populares envolvendo fantasmas e botijas, dos mitos e lendas que cercam a paisagem serrado e do que restou de mato seco pela ausência de água. Nesse aspecto a cultura nordestina é cheia de possibilidade e um horizonte mau explorado até hoje, apesar de grandes poetas, escritores, teatrólogos e demais produtores de cultura que visitam sempre esse cenário e cultura, ainda é insuficientemente explorado.
Nesse sentido, devo salientar o tema do quadrinho centrado no sertão e a cultura decorrente desse cenário, como possibilidade temática, temos obras importantes que vale destacar aqui explorando esse cenário. Alguns quadrinhos exploraram essa paisagem como o Cangaço Overdrive de Zé Welligton, Olho do Diabo do grande Mozart Couto, Lampião de Flávio Colin, Cidade Asfixiada de RM e Rodrigo Xavier. Enfim, o que podemos constatar na produção de quadrinhos, como produção cada vez mais frequente de assuntos sobre o tema, tendo a paisagem nordestina como pano de fundo. O que se observa é a busca pela originalidade, a procura de explorar aspectos pertencentes a região como clima, economia, povo, moral, política, conflitos, e demais conflitos existentes na região.
Encontramos convergências entre a literatura e quadrinhos, quando abordam assuntos que objetiva explorar o terreno do insólito e do aspecto original da cultura nordestina. Isso poderia justificar o motivo da literatura está mais próxima do quadrinho e do cinema do que das demais áreas culturais. Talvez, por trabalhar em pontos convergentes como a escrita que é comum tanto ao cinema e ao quadrinho através de roteiros e assim através da grafia, da escrita mesmo é o ponto de convergência dessa três áreas. A busca de se diferenciar, considerando essas três áreas artísticas, visa fugir do mais do mesmo é uma característica bastante atual da literatura, quadrinho e cinema na cultura popular nordestina. A procura de localizar um ponto no qual difira sua narração literária como quadrinhista é o pensamento que vem se formando, buscando identificar uma autenticidade própria que difira do resto do produto nacional. Para isso, usar as “ferramentas” que estão a mão é importante para todos nós, produtores de cultura sejam escritores, artistas das hqs e artes cinematográficas.
A reflexão que trago aqui é a busca da autenticidade, o sentimento de catar, procurar identificar algo que seja próprio e diferente ao mesmo tempo na cultura do nordeste. Identificar a natureza da essência que compõe o nordestino é o lugar para explorar o assunto, sejam eles, a sua cultura, folclore, danças e músicas. O momento presente desenvolve essa exploração do tema, desenvolvendo interpretações e histórias bastante originais que evocam a cultura sertaneja. Os temas que abordam o assunto vão desde a exploração do cangaço e suas histórias, que envolvem geralmente conflitos com as autoridades, entre bandos ou em encontros com o sobrenatural. Outras histórias exploram o futuro em um nordeste pós apocalítico ou em um cenário de ciberpunk como o já mencionado Cangaço Overdrive ou Cidade Asfixiada. A utilização de personagens, e lugares mostra a obstinação dos autores em desenvolver temas que tenham, em sua raiz, a representatividade. Procura mostrar e desenvolver personagens identitários com a região, com sotaque, cultura, comida, literatura e folclore para composição de suas tramas e narrativas.
Os autores da região nordeste buscam fazer uma arqueologia de sua cultura, buscam a origem de sua herança, tentando entender a maneira como o ambiente molda o homem, a sociedade e sua cultura de forma a transformá-lo física e mental. Esses aparelho de conhecimento, adquirido através da investigação imersiva do “ser” nordestino, possibilita o desenvolvimento de novas formas de interpretar o ambiente e a ampliar a criatividade. A cultura é modelada mediante a herança cultural vinda da colônia e se desenvolve a partir dessa cultura que é adaptada nos moldes do povo, a recebe por migalhas e intuitivamente desenvolve à sua maneira uma nova interpretação dessa herança. Desse modo, pensando algo semelhante sob a ótica dos produtores de quadrinhos, especificamente o nordestino, observa-se a necessidade de desenvolver uma estética e forma diferentes do que se encontra no mercado e para isso conta com o auxilio da própria cultura.
Por fim, essas reflexões sobre a produção do quadrinho do nordeste, objetiva chamar a atenção para a criatividade evolutiva dos autores que vem a cada publicação desenvolvendo e se aproveitando da herança cultural e regionalismos locais. Penso que a produção dos artistas nordestinos de quadrinhos que exploram os temas dessa região é o que os diferenciará das demais publicações de quadrinhos do país. Isso se dará pela exploração de temas ligado a religião, moral e folclore. Nesse sentido os rumos dos quadrinhos do nordeste vão se diferenciando quando abordam temáticas como terror, Ficção cientifica e demais temais conforme vá aparecendo. A gradeço a todos a paciência e espero que todos estejam bem. Abraços e se cuidem!