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Tolstói libertou Lucas Lima do casamento

A literatura liberta! E hoje no Brasil temos um exemplo bem notório: graças a um livro, um casamento foi desmanchado, libertando tanto o homem quanto a mulher de laços inumanos.

*Alexsandro Alves

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Nós, homens e mulheres, nascemos para a liberdade, é nossa prisão. O que nos aprisiona é o inferno, e Sartre já nos disse que “o inferno são os outros”.

Em sua peça “Entre quatro paredes”, de 1945, três pessoas estão presas no inferno, num mesmo quarto. Tendo que conviver entre si, descobrem que são, ao mesmo tempo, carrascos um do outro e coautores de um autoconhecimento.

Isso pode ser uma metáfora para o namoro e para o casamento. Quando se namora, com a inocência que acompanha esse momento, temos uma projeção da pessoa amada e também do futuro que com ela poderemos usufruir.  Essa projeção quase sempre é falsa. Ou pode ser verdadeira, mas as quatro paredes de uma casa acabam com a doce fantasia do lar doce lar. A mentira sempre tem perna curta, menos no casamento, porque há pessoas que insistem nela. Muitas vezes passam 50 anos para desabarem na verdade.

Isso só mostra como a natureza erra.

É por isso que a cultura precisa, quase sempre, por rédeas na natureza. Melhor dizendo, a cultura precisa interpretar mais acuradamente a natureza.

A juventude é o momento da primavera das almas. Nesse momento devemos gozar de todos os prazeres conhecidos e sem limites. Na primavera, o corpo é o altar do prazer.  Não devemos casar na primavera e nem termos filhos, para que o altar do prazer não se transforme em pira de imolação.  Os filhos devem vir no verão, lá pelos 30 anos. Com uma vida mais aprumada. No outono, procuramos alguma companhia “eterna”, um casamento, lá pelos 50 anos. Aí, no inverno das almas, pode vir o casamento.

Já com todos os prazeres gozados, filhos doados à sociedade, já passou até o outono. E no inverno. quando de fato precisarmos de uma companhia, a teremos. No inverno, com a cabeça e o corpo já cheios de boas lembranças passadas, das flores da primavera colhidas, que nunca mais voltarão, aí precisaremos de alguém para ser nossa companhia, nosso cobertor no inverno que antecede a morte, e nós seremos o cobertor dela – ou dele.

Eu imagino que assim os casamentos dariam certo. Com nada mais para viver a não ser a espera da morte. Duas pessoas bem vividas, bem sofridas, que já sabem o que é ser feliz e também o que é ser infeliz, que entendem o riso e o choro, podem então compartilhar com o outro a vida inteira vivida, casamento é para a sabedoria. Por isso que muitas vezes os segundos casamentos são bem mais frutíferos do que os primeiros.

Todavia, o que mais ocorre é que apenas um ato ilusório salva qualquer casamento. Quando essa ilusão se acaba, o casamento não resiste.

E foi o que ocorreu com Lucas Lima. Ele foi salvo de uma ilusão ao ler um livro de Tolstói: “A morte de Ivan Ilitch”. E assim, ele também salvou a ex-esposa: “Texto muito direto, sólido, sem firula nem carinho. Verdade sem desvios. Baita reflexão sobre a vida, sobre escolhas e os porquês destas”, escreveu em suas redes sociais. Ele ainda destacou um trecho da obra: “Talvez eu não tenha vivido como deveria, ocorreu-me de repente; mas como se sempre fiz o que deveria fazer?”.

O problema é que a cultura interpreta errado a primavera: impõe casamento e filhos onde só deve haver descompromisso e gozo. E falo de qualquer casamento, não apenas aqueles oficializados por um cartório ou igreja. a primavera é da rua e não da casa. Flores crescem melhor ao ar livre.

Ser livre, o ato mais difícil para a alma humana! Ela precisa de livros para isso, sozinha, é um abismo sem fim, mas a única companheira da alma é a literatura.  Esse casamento é para qualquer estação da alma.