• search
  • Entrar — Criar Conta

Toque de sino

Dando continuidade à parceria estabelecida com o Ludovicus – Instituto Câmara Cascudo, por intermédio de sua presidente Daliana Cascudo Roberti Leite, publicamos neste domingo mais uma das Actas Diurnas, crônicas que registram na crônica de Natal no espaço e no tempo.

*Luís da Câmara Cascudo

[email protected]

O Dr. Antônio Francisco Pereira de Carvalho, que presidiu o Rio Grande do Norte de julho a outubro de 1852, era homem inteligente, cheio de boas ideias, fazendo uma administração apreciável. Deixou, entretanto, fama de neurastênico. Viviaq zangado. Deram-lhe a alcunha de Carvalho amarelo. Entre suas idiossincrasias estava não tolerar o toque do sino. Quando ele aqui esteve a Matriz não tinhas a torre e os sinos eram outros, menores, pendurados num janelão, à direita da igreja. Ouvindo os dobres-de-finados, não os suportando nem podendo proibir, Pereira de Carvalho arranjada um processo fácil mas caro. Mandava um somado falar com o sineiro. O “Ordenança” chegava, olhava o sacristão e perguntava: “Quanto vau custar os sinais?” – Meia pataca.  “Se não tocar mais, dou um cruzado”. O sineiro batia, por desencargo de consciência, um toquezinho e o sino parava.

Os nossos sinos plangem e festejam muitíssimo menos que outrora. Há uns oitenta anos, Natal ouvia sinos o dia inteiro. O sino era o alto-falante, avisador das horas de solidariedade cristã e social. Além de finados, batizado, repique-de-anjo, chamada de missa, chamada de irmandade, o sino possuía outros apelos. Dez badaladas seguidas avisava que alguém ia entrar para o mundo. Nove batidas, era menino, sete, era menina. Quando um cristão estava na agonia, o sino informava, em toques repetidos e espaçados, pedindo orações. Era uma linguagem sonora entendida pelos corações fiéis. E havia toque3 de recolhere, toque de incêndio, fora os repiques festivos.

No Rio Grande do Norte, com todas as igrejas e capelas, os sinos enchiam os ares de lamentos ou alegrias, vibrando sem cessar pelas bocarras de bronze. Tanto tocaram, tanto tocaram, que a Sociedade de Medicina acabou reclamando, oficialmente, aos Ilustríssimos membros da Regência. E o Ministro Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, o futuro Visconde de Sepetiba, que, naquele tempo, gastará duzentos mil réis de sorvetes numa festa, oficiou ao intendente de polícia, Francisco Correia Vidigal, ordenando que fizesse pôr em prática e executar o determinado na Constituição do Arcebispado da Bahia, título 48, número 828. O “aviso” ministerial é datado de 26 de abril de 1834.

Curioso é recordar o artigo da Constituição do Arcebispado da Bahia que regulariza o toque-de-sino e sua duração. Reza assim:

“Dos sinais que se hão de fazer pelos defuntos: justamente se introduzindo na Igreja Católica o uso e sinais pelos defuntos; assim para que os fiéis se lembrem de encomendar suas almas a Deus Nosso Senhor, como para que se incite e avive neles a memória da morte, com a qual nos reprimimos, e abstemos dos pecados. Porém, porque a vaidade humana, e outros menos piedosos respeitos tem introduzido neste particular alguns excessos; para que daqui a prudência cristã, e religiosa, pede.  E, para que se ponha algum termo certo, mandamos. Que tanto que falecer algum homem se façam três sinais breves, e distintos,  e por mulheres, dois;  e se forem menores de sete até catorze anos de idade, se fará um sinal somente, ou seja, macho ou fêmea, e por estes sinais de falecimento não se pedirá salários. E depois quando forem  levados a enterrar, se farão outros tantos sinais, e ao tempo que se sepultarem outros tantos; de maneira  que ao todo não se façam mais sinais que até nove por homem, seis por mulher, e três pelos de menor idade; o que se entende na igreja onde é freguês, ou se enterrar o defunto somente.”.

Dom Luiz  Raimundo da  Silva Brito, Bispo de Olinda, nas Constituições Sinodais da Diocese de Olinda, promulgadas pelo sínodo em fevereiro de 1908 legislou sobre o toque de sino (p.70):

“166. Não poderá permitir mais de três sinais fúnebres por adultos ou repiques por párvulos, sendo o primeiro grátis e não durará cada um mais de cinco minutos.”

Ordenava que só na Igreja Matriz seriam tocados os sinais, nas outras igrejas somente por seus irmãos. E morrendo o Papa ou o Bispo todas as igrejas dariam os sinais durante res dias, três sinais por dia somente.

Lembremo-nos de que, segundo a tradição ainda viva em Natal, quando o senador Pedro Velho faleceu, o sineiro tocou nada menos, pela sua conta e cálculo, de quinhentos mil réis de sinais! E mandou a conta a “conta”. Pagaram a décima parte da “dívida”.

O mais curioso sucedeu com um sineiro político, oposicionista. Quando o governador do Estado tomava posse, solenemente, o sineiro agarrou-se às cordas e fez os sinos dobrarem, finados! Enquanto durasse a cerimônia, o sino choraria como poetava Guerra Junqueira, lágrimas de bronze na amplidão…

A República, 22 de agosto de 1940.