*Franklin Jorge
Conta-se que ao receber alguém que desejava consultar o escritor Luís Da Câmara Cascudo sobre alguma coisa de seu interesse, teria perguntado a Anália, que lhe abrira a porta, se o escritor estaria desocupado e pedia recebe-lo, ao que ela respondeu que ele não estava fazendo nada; só estava lendo e escrevendo… O fato ganhou foros de boutade, repetido ad infinitum em meio a risos, por parecer engraçado, apesar de conter uma verdade incomoda.
De fato, o preconceito contra o trabalho intelectual é muito antigo e certamente tem a ver com a espécie de discriminação que sofre o trabalhador intelectual, sempre visto como pária ou vagabundo. Assim, o poeta, o escritor e o artista em geral, mesmo por aqueles que por diletantismo e vaidade se dedicam a escrever e publicar livros sem levar em consideração que o trabalho intelectual é até mais árduo do que o braçal, por exigir, quando feito com as exigências necessárias, além da prática estudos profundos e variados.
Já vi e posso dizer até que tenho sido vitima de alguns intelectuais detentores de considerável fortuna pessoal que se dão ao desplante de esperar que trabalhemos de graça para eles, editando seus livros e divulgando-os, sem a contrapartida remunerativa devida a todo aquele que produz ou executa um serviço de natureza editorial, por exemplo. Ninguém ousa pedir a um motorista, a um barbeiro, a um garçom ou digitador que trabalhe de graça, levando-lhe daqui para acolá, cortando-lhe o cabelo e a barba, servindo-lhe o uísque e os pratos sofisticados, digitando-lhes os textos, revisando-os ou diagramando-os para posterior impressão; estes, sim, considerados trabalhos respeitáveis que requerem remuneração, geralmente acordada embora em geral com desvantagem para o trabalhador, mas ainda assim, um trabalho, por ser considerado mecânico, passível de retribuição pecuniária.
Tenho visto isto com frequência entre nós, sobretudo em se tratando de diletantes que tiveram a sorte de nascer com a bunda virada para a Lua e cultivavam a vaidade de ser considerados ‘’escritores’’, uma atividade associada a inteligência, à cultura e ao refinamento que pensam equivocadamente decorrer do fato de terem gordas contas bancárias ou de pertencerem ao que muito antigamente era chamado de ‘’grand monde’’ ou ‘’gratin’’, como diria Marcel Proust, o criador do colunismo social, o que ele fez por brincadeira e divertimento, para celebrar seus celebres jantares que oferecia todas as noites aos seus amigos aristocratas e artistas de gênio no Ritz de Paris…
Em razão disto, o poeta, o escritor, o pintor, o artista, enfim, sobretudo aqueles que não dispõem de fortuna nem de considerais recursos materiais para subsidiar-lhes a existência, sofrem na própria pele as agruras do preconceito e da discriminação, o que costuma fazer com que muitos pais fiquem aterrados ao se aperceberem que um de seus filhos tem algum talento para a criação intelectual, procurando desde então dissuadi-lo dessa loucura que só poderá leva-lo ao opróbrio e à pobreza.