*Napoleão Veras
É uma palavra proparoxítona sem acentuação gráfica, como quer a ortografia da língua italiana. É, antes de tudo, um bairro boêmio da antiga Roma, com uma história beirando dois mil anos. É também uma indicação, um conselho, quase uma palavra de ordem que o visitante recebe tão logo desembarca na celebrada Cidade Eterna: Não deixe de ir a Trastevere!
Por isso me embrenho nesse labirinto de ruas sem fim, cada uma com seu traçado singular. O tédio que quase sempre despertam os labirintos, aqui não existe; mas o prazer, a delícia de se perder na tortuosidade da povoação que cresceu ao deus dará — imagino, uma pedra aqui um tijolo ali, na direção do nariz. E tudo cabe nas curvas de Trastevere, no oco da intimidade que as coisas arredondadas propiciam.
É possível que a embriaguês se potencialize também no rua acima rua abaixo de bares, ristorantes — spaghetti alla carbonária ou alla matriciana — o fla x flu gastronômico local, a música, e ainda a fauna do mundo inteiro — já que tudo cabe no bairro boêmio.
A grandiosidade e elegância de Roma, a alma do mais libertino império jamais igualado, a essa altura impregnadas de Aperol, Vinho, Limoncello, Campari, aliadas ao sentimento destrambelhado de querer viver mais uma queda do Império — termina de chegar à Piazza Trilussa, epicentro da alegria, da devoção à vida, da bebedeira da Roma que morreu tantas vezes e ressuscitou outras tantas.
Um chão extenso de pedra, com escadaria charmosa ao fundo, e ali uma fonte d’água mineral — as famosas ‘fontanas’ tão comuns na cidade — é toda a Piazza Trilussa.
Prevalece a música pop, notadamente o rock, com artistas que se revezam para plateias em movimento, enquanto a multidão canta, bebe, dança, se esbalda. Naquela noite um cowboy americano, de botas e chapéu, e mão direita arrasadora, faz o público delirar num desfile de hits internacionais — Beatles, Edgard Winter, Led Zappelin, Trini Lopez, passando pela apoteótica La Bamba.
Nas esquinas daquelas ruas estreitas e pelame de todas as tribos, espreito que o Aperol me traga o mágico Fellini e seus truques, e surja no meio da trupe colorida, com a música etérea de Nino Rota, com a poesia descabelada de Amacord, Satyricon, ou melhor, de Roma de Fellini, filmado ali mesmo, e um daqueles personagens inesquecíveis repita a fala que até hoje ecoa no tempo e espaço: Roma, cidade da Igreja, do governo, do cinema. Todos vendedores de ilusões.
Cai o pano.
Texto e fotos
Napoleão Veras