*Matías Néspolo
PIGLIA: Para responder à questão de como leio, teríamos também que diferenciar o que chamo de leitura do escritor do modo de leitura do crítico. Para o crítico, a literatura é um assunto de conhecimento. Não há conhecimento na literatura, há conhecimento externo que lhe é aplicado, seja da linguística, da psicanálise, da sociologia, do marxismo ou dos estudos culturais.
NÉSPOLO: Aí eu digo. Você está se referindo a um tipo específico de crítica, acadêmica. Gosto de pensar que existem pelo menos dois tipos de crítica. Um é este. O outro é o quotidiano, a crítica à imprensa, os suplementos culturais, as revistas literárias, onde se travam as batalhas literárias de que falava Benjamin e se resolvem questões muito pesadas. É verdade que a crítica acadêmica é o que, em última análise, escreve a história literária e consolida o cânone, mas…
PIGLIA: Ok, mas eu estava me referindo mais a como a literatura é refletida em um lugar ou outro. Podemos incluir as críticas que circulam nos meios de comunicação de massa. Parece-me que também aí a relação com a literatura é muito instrumental, embora tenha a ver com outros tipos de redes, como a urgência, a velocidade de leitura, a ideia de que se destina a leitores não especializados e deve ser pedagógica, a extensão que esses críticos podem desenvolver suas hipóteses, o tipo de retórica, etc.
Não me oponho a essa crítica, às vezes dá ótimos resultados e eu mesmo a pratiquei, mas acho que teríamos que pensar no que a crítica jornalística negocia em relação ao mundo da cultura de massa. Um mundo que costuma ser muito anti-intelectual e que tem como horizonte um leitor desinteressado de cultura e que deve ser cativado. Sempre digo que acho a seção de esportes dos jornais muito mais interessante do que a seção cultural.
NÉSPOLO: Pelo estilo?
PIGLIA: Não só por isso, mas pela teoria que contém. A seção de esportes é feita para quem entende do que se fala. As entrevistas são muito técnicas e os debates têm um nível de rigor e sofisticação que influencia a realidade. Já os suplementos literários tendem a explicar tudo de novo a cada vez, como se dissessem ao leitor esportivo que um time de futebol é formado por onze jogadores, que existe um árbitro e que o jogo consiste em colocar a bola na baliza adversária.
Porém, parece-me um universo apaixonante, que tem cada vez mais peso. Colocaria esta crítica num espaço intermédio entre o mundo algo abstrato da cultura académica e a reflexão sobre a literatura que procuro resgatar, aquela que surge da própria literatura.
NÉSPOLO: Como lê um escritor?
PIGLIA: Haveria três maneiras de ler um escritor. Ele tende a ver a construção primeiro, antes da interpretação. O escritor está mais interessado em como um livro é feito do que em saber o que ele significa. Ele quer saber como funciona essa máquina para poder construir outra. Daí que as suas reflexões sejam tão específicas e técnicas quanto as de Nabokov podem ser. Manuel Puig disse-me uma vez “Não consigo ler romances, porque quando os leio corrijo-os”, ou seja, para um escritor os livros nunca terminam, vê-os como se fossem uma obra em curso . Este é um tipo de leitura fluida e sem remorso que tende a enfatizar, acima de tudo, como as coisas são feitas. A segunda forma de leitura de um escritor é o que chamo de leitura estratégica. Tem a ver com o que você se referia quando falava de Benjamin. Ler um escritor nunca é inocente.
NÉSPOLO: Porque ele lê dentro de um sistema literário…
PIGLIA: Com tribos, tensões, confrontos, com genealogias inventadas e, portanto, construindo redes próprias. Um escritor é muito arbitrário e lê a história da literatura à sua maneira.
NÉSPOLO: Esse também é o seu caso.
PIGLIA: Digamos que sim em parte. Mas estou sobretudo interessado na terceira forma de leitura do escritor, aquela que reflecte a literatura nos próprios romances. Poderíamos traçar uma história da literatura a partir do que a própria literatura diz sobre os leitores, sobre os escritores, sobre os críticos, sobre os romances. Seria uma história imaginária que começaria com Dom Quixote. Li The Raging Toy , de Arlt, dessa forma, como um texto sobre a circulação da cultura. Não estou dizendo que todos os livros fazem isso, mas mais do que pensamos.
NÉSPOLO: E o que você acha dos livros que fazem isso de forma muito explícita? Refiro-me a autores como Vila-Matas, que colocaram a reflexão metaliterária em primeiro plano.
PIGLIA: Gosto muito do Vila-Matas. Não sei se se pode chamar sua obra de metaliteratura, porque ela dá continuidade a uma longa tradição de romances literários e Dom Quixote também deveria ser chamado assim. Esses tipos de romances são os que mais me interessam. Para mim, o capítulo do Ulisses de Joyce que mais gosto é aquele sobre a discussão na biblioteca.