*Reynivaldo Brito
Já conheci muitos artistas nesses mais de 30 anos convivência e sempre me deparei com pessoas fantásticas, sonhadoras, criativas, amigas, e também com outras muito ansiosas e até depressivas. Algumas tão amarguradas, devido algum trauma de infância, juventude ou mesmo na vida adulta não conseguem ou não conseguiram levar uma vida normal enfrentando as dificuldades que nos chegam dia a dia. Pessoalmente não conheci o artista feirense Raimundo de Oliveira, mas pelo que li sobre sua vida e ouvi de algumas fontes primárias, que tiveram o privilégio de conhece-lo, o descrevem como uma pessoa que tinha alguns problemas de convivência e que talvez até algum complexo por não ter um corpo dentro dos padrões de beleza que a maioria elege. No entanto, em várias fotos que manuseei ele aparece com um sorriso largo, mostrando ser uma pessoa aparentemente feliz. Vejam como a aparência esconde sentimentos.
Segundo uma fonte primária ,que tinha acesso ao apartamento do pintor, ele montou uma espécie de cabana na sala onde colocou seu cavalete . Para trabalhar abria uma bíblia e ficava lendo e pintando. De quando em vez cantarolava alguma coisa. Suas roupas de preferência eram escuras, principalmente de cor preta.
Colhi outro depoimento de uma pessoa que tinha um escritório no edifício Shalom, que fica na Avenida Sete de Setembro, trecho do Rosário, onde também morou o artista, que me disse que o Raimundo de Oliveira tinha realmente um comportamento estranho. Várias vezes quando a noite ia caindo ele se vestia de preto e saía cantarolando umas cantigas indecifráveis. Como não o conheci pessoalmente fico com estes depoimentos de pessoas que mantiveram contatos com este artista singular.
Raimundo deixou um legado importante, e sua produção artística é conhecida e valorizada não apenas no Brasil como também no exterior. Uma arte marcada por sua religiosidade que lhe foi transmitida por sua mãe d. Santa, com a qual tinha uma ligação muito forte.Foto de Raimundo com largo sorriso em seu atelier em São Paulo, fotografado por Gerard Loeb.
Escreveu o saudoso professor Edvaldo Boaventura, conterrâneo e contemporâneo em Feira de Santana, no livro Raimundo de Oliveira, editado em 1982, o qual me foi presenteado pelo amigo e grande artista Washington Sales. Vejam: “Habituei-me desde muito cedo, ao tempo em que criança morava na Praça da Matriz a ver Raimundo, sempre de calça e paletó escuros e aparentando mais idade do que realmente tinha, a passar bem devagar conduzindo pelo braço de D. Santa. Vinham mãe e filho pelo Beco de Santana, atravessavam o largo em cadência lenta e ritmada e entravam na Matriz pelo portão da frente”. Em 1954 sua mãe faleceu, o que representou uma grande perda para ele.
Mas, se recuperou parcialmente, e em 1955 recebe o prêmio Menção Honrosa no Salão Baiano de Belas Artes; em 1956 expõe no Belvedere da Sé, e ainda em 1956 participa de uma coletiva na Galeria Oxumaré; do V Salão Nacional de Arte Moderna, no Rio de Janeiro e do VI Salão Baiano de Belas Artes, dentre outras. Em 1968 vai para São Paulo .Faz algumas exposições e participa do IX Salão Paulista de Arte Moderna, onde recebeu uma Medalha de Bronze; do X Salão Paulista de Arte Moderna ,em 1961;expõe de 1961 a 1964 na prestigiada Galeria Astreia; da VI Bienal de São Paulo, em 1963; expõe na famosa Galeria Bonino, no Rio de Janeiro, em 1963;em Buenos Aires, em 1964, e em 1965 no Musée d”Art Moderne de la Ville de Paris e de uma coletiva na Galerie Jacques Massol, também em Paris. Portanto, teve o reconhecimento de sua arte nacional e internacionalmente.
Sua participação nos movimentos de arte em Salvador começam a aparecer. Em 1951 integrou algumas coletivas; do III Salão Baiano de Artes Plásticas e do 1º Salão Universitário Baiano. Sua primeira exposição em Salvador foi na Galeria Oxumaré e ele imprimiu alguns cartazes em preto e branco que foram colocados na Avenida Sete de Setembro anunciando a sua mostra. Isto até hoje é uma coisa inédita. Nunca vi cartazes expostos nas ruas de uma exposição. Nesta mostra apresentou desenhos e pinturas e agradou aos críticos de arte da época.
Raimundo nasceu em 24 de abril de 1930 na cidade de Feira de Santana. Já adulto veio morar no Rio Vermelho, depois na Avenida Sete, e finalmente no Hotel São Bento, no Largo do mesmo nome, onde foi encontrado morto três dias depois no dia 16 de janeiro de 1966. Segundo o laudo policial, teria se suicidado, aos 36 anos de idade
Raimundo sofreu provações como alguns personagens de suas pinturas bíblicas. Ele enfrentou problemas psíquicos que sempre levam as pessoas acometidas dessas doenças ao sofrimento e falta de perspectiva. Embora filho de um comerciante de boa situação econômica e nem mesmo sua religiosidade foram capazes que vencer a depressão. Portanto, Raimundo Falcão de Oliveira partiu com sua arte mística de traços largos e cores às vezes escuras e vibrantes. Deixou uma arte inconfundível.
Quando fez sua exposição em Paris o crítico francês Jacques Lassaigne escreveu: “O caso mais estranho é talvez o do jovem Raimundo de Oliveira, que prova que não é somente para os homens de antigamente que o recurso ao passado é fecundo. Ele se inspirou nas lendas religiosas e inventa uma espécie de Bíblia historiada em miniatura dignas dos manuscritos e os bordados coptos e, entretanto, de uma absoluta modernidade”.
Lembro que o artista Hansen Bahia esteve na Etiopia com o Imperador Hailé Selassié. Sua coroação foi um evento esplêndido e contou com a presença de autoridades do mundo todo, e foi homenageado com uma música de Bob Marley. Hansen trouxe alguns tecidos com estampas e outros materiais onde apareciam figuras bíblicas bem parecidas com as que Raimundo de Oliveira pintou, e também o próprio Hansen esculpiu, em algumas de suas xilogravuras. Selassié dirigiu a Etiopia de 1916 a 1974. Ele nasceu em 1892 e foi assassinado em 27 de agosto de 1975. É até hoje reverenciado pelos rastafáris que acreditam no Deus Jah.