*Francisco Alexsandro Soares Alves
Nunca o Rio Grande do Norte deu tantos poetas. Todos são poetas hoje no estado, basta ter o desejo. Porém isto não significa que todos façam boa poesia. Há uma ponte que sempre será intransponível entre o desejo e o fenômeno estético. No caso da poesia a ponte é percorrida com leitura e com maturação lenta dos sentimentos. O poeta racionaliza o sentimento na riqueza que acumulou nos livros que leu. O problema dos muitos poetas do estado é que não leem. A pressa e o descontrole do sentimento são pedras no meio do caminho para os poetas. Tratam a poesia como se esta fosse uma mera expressão livre de seus sentimentos. Transformam a arte em diário. Poesia não é expressão livre de sentimentos. Antes de qualquer outra coisa, é trabalhar com a palavra. Mas só se pode trabalhar com a palavra aquele que tem intimidade com a palavra. Que pensa diariamente nas questões mais íntimas de nossa língua.
Poesia ruim e boa poesia são tão díspares quanto coca cola e vinho. Observe que coca cola por pior que seja, é a bebida mais vendida no mundo. Não se precisa de preparo para tomá-la. Tome pela emoção, pelo sentimento e ela desce livre! Já o bom vinho, antes de apreciá-lo, se necessita de toda uma gramática de termos, de expressões, de sabores. Tudo bem medido, bem colocado, bem racionalizado. A gramática do vinho e a racionalização do mesmo não retiram dele o sabor e nem a leveza. O sentimento assim flui ainda mais livre.
Conheci a alguns meses a literatura do poeta Marcos Campos. E posso garantir que seu livro de estreia Um bêbado sonhador, é fruto de um homem que faz de sua poesia o que muitos hoje não fazem, seja por despreparo ou por inépcia mesmo. Sobretudo quando faz poesia concreta. Neste ponto sua inventividade com a língua é espalhafatosa. Não quero dizer obviedades e falar que o mesmo possui o dom da palavra. Não é dom. Arte não é dom, é luta e espera, gramática e maturação. Marcos Campos sabe trabalhar a palavra poeticamente porque já tomou muitas taças da mesma e sabe como saborear cada vocábulo. A melhor poesia que um poeta pode escrever é em si mesmo. Os livros que leu lhe deixam marcas, lhe deixam escritas e é assim que o poeta, ao mesmo tempo que fala de si, também dialoga com seus iguais.
Hoje a poesia parece ser um monólogo.
Todavia, Um bêbado sonhador é composto por diálogos em grandes cenas. É o que se espera, com a modernidade, que o poeta fale de si. Mas poetas ruins tornam este imperativo um monólogo chato de almas vazias. Falar de si é abrir o bau que há no interior do poeta e apresentar as pérolas que há lá dentro. Porém se o indivíduo nunca experimentou vinho seco, ou fugiu dele, o bau estará vazio. Tudo o que é bom provém do trabalho em primeiro lugar.
O livro é composto por muitas formas de poesia. Há haicais, há poetrix, verso livre e, embora não sejam tão ortodoxos, também há sonetos. A surpresa com a arte de Marcos Campos à primeira vista é sua poesia concreta e eu quero frisar bem claro que quando o mesmo se serve do verso como palavra em primeiro lugar, o poema é tão deslumbrante quanto quando a mesma é absorvida pela imagem. Além disso, há combinações perfeitas entre um modelo e outro, como no caso de “Sarajevo, o poeta e o profeta”, onde cor, imagem e palavra conduzem a gramática e o sentimento como se fossem um só. E é assim que o bom poeta se diferencia da manada. Saber impor ao sentimento regras, fazê-lo caminhar não em uma vã liberdade, mas dentro de preceitos de nossa língua, é o que falta aos muito poetas do estado. Não é algo impossível, porque não é dom. Porém essa possibilidade apenas se alcança se o poeta tiver leitura e senso crítico.
Uma outra satisfação ao ler Marcos Campos é que raramente ele faz apologia ao que quer que seja (embora que em alguns bem poucos e parcos versos haja temas políticos tratados de uma maneira que, hoje, não se sustentam), o que quero dizer é que Marcos Campos deve ser apreciado como poeta legítimo e não porque seus versos são de um lado ou outro da política – seja em que tema for, Marcos é um poeta porque conhece, trabalha e pensa a palavra, em uma época em que se confunde e se quer a poesia como reivindicação política até do formato do cabelo na cabeça e outros empoderamentos que, por não terem lastros, tornam-se frustrantes. É claro que o poeta pode ser político. Mas o ideário político não pode ser mais que o estético. A política, o social e o econômico podem e devem gerar temas para a produção poética do poeta. Porém qualquer coisa que se escreve, mesmo que seja por uma boa causa social, não é necessariamente arte, é política. E há poetas que não compreendem isso. Têm boas ideias, mas não conseguem elevá-las à categoria de arte. E há os que querem que protestos sejam arte.
Marcos Campos verseja por paragens estéticas sólidas. Sua poesia é fruto de contemplação, inteligência, sentimento e estudo. Minha apreciação sobre O bêbado sonhador é que se trata de um livro bem pensado, bem escrito e que ultrapassa em muito a poesia que hoje é feita por aqui. É um livro essencial na poesia potiguar contemporânea e pode ser encontrado na Livraria Manibu.