*Pedro Henrique Farias
Em Serra Negra do Norte, município do interior do RN, há mais de 300 Km da capital Natal, que faz fronteira com Timbaúba dos Batistas e Caicó no Seridó potiguar, bem como com o estado da Paraíba, a produção de rapaduras e mel de engenho vem sendo reativada desde 1995. Já são dezenas de moagens de cana-de-açúcar, onde através do caldo se produz artesanalmente as iguarias e o sonho de que, futuramente, o engenho disponha de um alambique para produção de cachaça.
É exatamente no Sítio Arroz, na zona rural do município, na propriedade de Sr. Amadeu e Dona Tervina, e também de sua prole que compreende 8 homens e 3 mulheres, no meio das belas serras seridoenses, que a tradicional moagem vem sendo feita, num sistema de meação, ou seja, onde metade da produção fica com o produtor da cana, e a outra metade com os donos do engenho. A iniciativa vem sendo encabeçada pelos filhos de Sr. Amadeu, que alternam o trabalho entre a moagem da cana, o cozimento do caldo com cal que, segundo a tradição auxilia na redução da acidez, a retirada de impurezas, resfriamento e modelagem. Além da pesca do peixe consumido no engenho como tira gosto e do preparo do almoço para todos os presentes, servido fartamente antes do meio-dia. É um trabalho árduo e quente, já que a fornalha chega a 220 graus, e é necessário um grande volume de cana para a produção de uma quantidade modesta de rapaduras e de mel. Mesmo assim, é uma festa que reúne populares, políticos, curiosos, mentirosos, contadores de anedota, sempre regada a cachaça, caldo de cana e rapadura.
“Antigamente todo homem recebia do banco dinheiro pra montar um engenho, cavar um açude e fazer uma casa”, diz Sr. Amadeu sobre o fomento às atividades no campo brasileiro no século passado, provavelmente entre as décadas de 1950 e 1980, em que o Brasil promoveu políticas de desenvolvimento regional, com destaque para a criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE em 1959, no sentido de corrigir as desigualdades regionais que assolam o país desde que a invenção da seca se tornou uma política para benefício de alguns poucos e, consequentemente, a miséria da maioria.
Esse caldo popular e cultural, ao longo da moagem, que se inicia por volta das 3h da manhã até acabar a cana, dá voz a inúmeras anedotas e histórias de trancoso, dentre elas as contadas por Sr. Calisto “A mulher tando desgraçada não pode vir pra moagem, se não desanda tudo, a rapadura não sai”, o que foi confirmado por Sr. Dimas “Teve uma mulher que tava nos dias e foi mordida por uma cobra, pois dito e feito, a cobra morreu”, ambos se referindo a menstruação feminina que, segundo a tradição, interfere no sucesso da produção da rapadura.
O engenho do Sítio Arroz vem, ainda, movimentando a economia local, já que ao menos de 3 a 5 populares se somam aos filhos de Sr. Amadeu nas moagens, além da circulação das rapaduras e do mel pelas redondezas. Mais do que isso, o resgate da produção das rapaduras eleva o Seridó potiguar na manutenção da tradição, da cultura popular, da memória, da oralidade, da soberania alimentar e do incentivo à economia local.