*Reynivaldo Brito
Uma das figuras icônicas de Ribeira do Pombal nos meados do século XX foi o sr. João Crechéu batizado como João Policarpo do Nascimento que nasceu em 27 de maio de 1927, filho de Olímpio Nascimento e Jovina Maria de Jesus, no povoado de Saquinho, município de Paripiranga, na Bahia. Portanto, mais um que fincou raízes aqui e durante décadas manteve o seu comércio da Rua do Cajueiro onde vendia café, açúcar, charque, e vários outros produtos, e diariamente matava porco, carneiro ou bode para vender aos pombalenses. Ele também revendia carne de boi. Normalmente, nos dias de feira ou mesmo durante a semana comprava metade ou um quarto de uma rês e revendia aos quilos em sua bodega, que na realidade era quase um pequeno supermercado. Na Cidade não existia frigorífico, então as carnes eram vendidas no açougue durante a feira popular nas sextas-feiras ou através de pessoas como o João Crechéu.
Dizem que o seu apelido se originou de um pássaro chamado de xexéu que é muito inquieto, barulhento e polígamo, se acasala com várias fêmeas, e come até filhotes de alguns outros pássaros. O nosso personagem era fanho, falava alto e era tido como bruto, mas na realidade era uma pessoa de boa índole e de convivência fácil, e um comerciante nato, daqueles que enfrentam várias dificuldades e sempre procuram um jeito de se soerguer.
Gostava dos festejos juninos, ocasião propícia para ganhar um bom dinheiro, e assim ia até Alagoinhas e trazia muitos e variados tipos fogos de artifício para revender em Ribeira do Pombal e cidades vizinhas. Armava sua fogueira no São João, e também um pau de sebo, onde a garotada e mesmo os mais jovens gostavam de disputar uma nota de Cr$100,00 que ficava amarrada no topo do pau de sebo, além de sabonetes, perfumes, bombons, bacalhau e outros produtos que eram disputados, e ganhava quem conseguia subir e arrancar cada produto. Era uma algazarra geral e muita alegria.Nosso personagem fazia questão de narrar que saiu de Saquinho bem jovem para “aventurar a sorte”, e terminou conhecendo Ribeira do Pombal. Aqui trabalhou em várias profissões até que juntou um dinheirinho e abriu seu primeiro comércio. Conta Marilda Nascimento uma das filhas que “ele sempre teve uma predileção pelo comércio. Fracassou algumas vezes, dava a volta por cima e reiniciava do nada. Ele vendeu de tudo, até mesmo passarinho”.
Lembro quando era criança que as pessoas se juntavam e iam em caminhões, com as carrocerias cheias de gente até o Tabuleiro, na estrada que liga Ribeira do Pombal a Tucano, portando machados e facões para escolher uma árvore alta, linheira e não muito grossa para fazer o pau de sebo. Também recolhiam candeias secas para queimar nas fogueiras que acendiam nas portas de suas casas, quando a garotada soltava suas bombinhas, traques e rojões. Naquela época armavam alguns paus de sebo na Cidade e até havia disputa qual deles tinha melhores prêmios. Na Rua da Santa Cruz, hoje Avenida Evência Brito, próximo onde ficava o quartel da polícia, hoje um prédio do Tribunal Regional Eleitoral, tinha sempre um pau de sebo no São João. Era uma brincadeira saudável e a garotada, e até mesmo os marmanjos se divertiam a valer, principalmente quando alguém conseguia subir até o topo, depois de um esforço danado, e de repente escorregava e vinha cair de bunda no chão, todo sujo de sebo de carneiro.
Carregou a namorada e casou – Voltando a João Crechéu conta sua filha Marilda Nascimento, que o pai conheceu sua mãe em Cícero Dantas, onde ela vivia com a irmã Cecília, que de pronto não aprovou o namoro. Inclusive tentava arranjar uns possíveis namorados para a Edelzuita que não aceitou e terminou fugindo com o João Crechéu para Ribeira do Pombal. Aqui casaram, e quem fez o casamento foi o padre Epifânio Borges.
Conta uma de suas filhas que o padre chegou a alertar sua mãe para não casar “com aquele homem”, porque ele já tinha uma filha,a Marlene Dantas do Nascimento, chamada de Marlene de Raimunda. O padre ainda acrescentou que o João Crechéu era muito mulherengo. Casaram e tiveram nove filhos Maria José (Moça) Vanderlau,(Vando), Maria José (Marilda),Vandergute (falecido),Valdermi (Demi), Vancirleide, Vanderlândia, Vancenilde, Vandercleia (Cleinha).
“Lembro que tinha uns cinco anos de idade e meu pai”, diz a professora Marilda Nascimento, ” mantinha um comércio forte na Rua do Cajueiro, nos anos 60. Ele negociava com tudo. Se alguém chegasse e perguntasse tem sal? Ele respondia não, mas tem açúcar, café, pão, carnes, etc. Caso o sal tivesse acabado. Era um bom comerciante. Muito bruto, mas não sei como conquistava as pessoas. Acordava por volta das 3 a 4 horas da manhã e começava a sua labuta matando porco, carneiro ou bode para vender em sua bodega. Tinha muitos ajudantes. Se fosse hoje estaria lascado para pagar indenização e outras obrigações trabalhistas. Trabalharam com ele Zelito, Castainha, Antônio Jabá, Dino, que não esqueço de Dino. Se alguém chegasse depois que acabou de vender toda a carne do animal que tinha abatido naquele dia e quisesse um coxão de carneiro, por exemplo, ele mandava matar um para atender o cliente. Muitas vezes com esta atitude sobrava muita carne desse carneiro que matou, o que deixava minha mãe muito aborrecida”.
João Crechéu não abatia bois. Costumava comprar metade ou um quarto de uma rês dos marchantes e revendia em sua bodega aos quilos. Fazia salmoura numas gamelas, e o que tinha mesmo fama e grande aceitação era o torresmo que fazia e vendia em tachos de cobre. Comercializava também banha de porco, leite, pão, manteiga. Tudo que você pensar meu pai vendia de bacalhau a fogos de artifício “, disse a professora Maria José Nascimento, conhecida por Marilda.
Teve catarata, e naquela época a pessoa ficava praticamente cega, porque não existia um tratamento adequado como hoje. Mas, conseguiu para Salvador para operar os olhos nos anos 80. À esta altura da vida ele só tinha a sua bodega e já sem recursos foi cuidar da sua visão, e precisou vender a bodega. Diz a professora Marilda Nascimento que uma irmã sua “ficou tão aborrecida com Misael Alves da Silva, por ter comprado a bodega de pai que foi morar em São Paulo e só voltando recentemente.”. João Crechéu era também um pequeno investidor imobiliário. Chegou a possuir várias pequenas casas, e o imóvel do cinema Rex lhe pertenceu. Como na época foram lançados os vários planos econômicos os quais desvalorizavam o dinheiro da noite para o dia, com isto ele terminou não acompanhando essas mudanças repentinas e perdeu muitos bens e dinheiro a ponto de morar em casa de aluguel no final da vida.
Ele fez a cirurgia num olho e ficou internado no Hospital Santa Izabel. Fugiu do hospital e foi para a casa de Milton de Cardoso. Sempre esperto e bom na conta. Escrevia do jeito dele porque era semianalfabeto. O seu retorno foi uma alegria! Quando ficou quase sem enxergar por causa da catarata eu era gorda, mas fui fazer o estágio de professora, fiz regime e emagreci. Aí após a cirurgia quando me viu magra disse assim: Marilda você era tão gorda e agora está tão magra!” Quando alguém passava em frente à sua bodega ele gritava fulano! Mostrando sua alegria em ter voltado a enxergar. ”
Lembrou a filha Maria José, a Moça, “que, certo dia, um fiscal pegou pai na estrada com a caminhonete cheia de fogos. Quando indagado de quem eram os fogos ele disse é de Bispo, que era um forte comerciante de fogos em Alagoinhas. Tiveram que retornar para Alagoinhas para resolver o problema, que foi solucionado no local onde tinha comprado a mercadoria “. Certamente, devia ter faltado a Nota Fiscal correspondente à mercadoria adquirida.”Retornou para Salvador e fez a cirurgia no segundo olho e passou a usar uns óculos de fundo de garrafa, ou seja, de lentes fortes. Enxergava tudo! Teve que vender a casa que a gente morava para sustentar a família. Minha mãe já estava revoltada com o mau cheiro, porque ele colocava os animais num bequinho, ao lado da casa, e mesmo assim continuou matando e comercializando carnes. Era um mal cheiro danado e mãe resolveu ir morar na casa de um parente que tinha um imóvel grande. Foi aí que seu compadre Severiano Barbosa lhe alugou uma casa num valor simbólico para que reiniciasse sua vida de comerciante. Aí voltou a vender fogos de artificio. Ele comprava um caminhão cheio de fogos em Alagoinhas e revendia tudo,” diz Marilda.
A informalidade- Como tinha muitos funcionários e era tudo na informalidade não recolhia Fundo de Garantia- FGTS, não tinham férias e 13º salário. “Aí um ex-funcionário colocou pai no pau, como se diz no popular, ou dizendo de outra forma, na Justiça do Trabalho. Veio uma intimação e no papel estava escrito João Crechéu. O oficial de Justiça entregou e ele rasgou a intimação. Então o caso foi parar na delegacia. O delegado era o tenente Zezito que enviou um policial com outra intimação. Aí pai rasgou novamente. Da terceira vez veio o próprio delegado e pai explicou que rasgou porque o nome dele era João Policarpo do Nascimento e não João Crechéu.”As filhas contaram esta história às gargalhadas.
Meu pai se orgulhava de dizer que tinha muitos anos de comércio “Eu tenho é quarenta anos de ramo!”, repetia para seus interlocutores e amigos. Gostava de festejar o São João e sempre acendia uma fogueira, e também armava um pau de sebo onde colocava até dinheiro. Era gente querendo subir e a brincadeira era muito gostosa. Mesmo com as dificuldades que passou ele brincou muito. Meu pai morreu cedo com 69 anos, em 7 de julho de 1996″, Marilda Nascimento. João Crechéu vendeu muito bacalhau. Eram caixas e mais caixas de bacalhau, quando esta iguaria era comida de pobre. Hoje custa muito caro, e é prato chic. Disseram que o depósito ficava entupido de bacalhau da Noruega. “Lembro que minha mãe ajudava muito as prostitutas e dava bocapius com bacalhau e outras mercadorias, inclusive até fogos para o São João “, revela a professora Marilda Nascimento. Certamente porque o cabaré ficava numa rua logo abaixo a famosa Rua do Jegue, onde moravam muitas prostitutas, especialmente as mais necessitadas.
“Mesmo com sua conhecida ignorância era muito preocupado com os filhos. Não deixava faltar nada em casa, até durante o período que ficou praticamente sem enxergar. Um dia ele disse: Eu troquei até casas por pão, e hoje não tenho um centavo para comprar um pão para meus filhos”. Isto é verdadeiro trocou casas por pão. Diariamente, o dono da padaria fornecia pães para sua bodega e consumo próprio da família e ia somando. Quando chegava a uma quantia razoável era feito o acerto, e João Crechéu dava como pagamento uma das casinhas que possuía nas imediações, inclusive era dono de algumas na Rua do Jegue. Lembra ainda a professora Marilda Nascimento que neste período de dificuldade ela foi ” trabalhar à noite na Escola Rui Barbosa e passei a ficar de 21 às 23 horas na bodega ajudando meu pai a recomeçar a vida de comerciante. Fazia os tira-gostos para ele vender. Compramos uma geladeira e ai recomeçamos novamente “.
O José Carlos dos Santos, cantor e compositor, de 57 anos, morador do Alto Santo Antônio, conhecido como Carlos Pomba do Axé, disse ainda “tive o prazer de conhecer o seu João Crechéu com sua bodega . Não existia supermercado e ele vendia querosene para os candeeiros, sal, pão, café, açúcar, manteiga e outros produtos. Tinha de tudo na bodega de João Crechéu. Vendia todos os dias carne de porco, de carneiro ou de bode na sua bodega. Comprava couro de carneiro e de bode, espichava-o e o colocava para secar ao sol para depois vender. No mês de junho ele dominava a região com a venda de fogos de artifício, que hoje ainda são vendidos por seus filhos. Era um velho tirado a bruto, mas era gente fina.”Algumas histórias – Conta o José Carlos que “João Crechéu comprou um Jeep e certo dia a bateria do veículo descarregou. Aí pediu ajuda a umas quatro pessoas para empurrar. O Jeep pegou com dificuldade dando aqueles soluços. Então uma das pessoas que estava empurrando no intuito de ajudar gritou: Fogo! Fogo! Que era para ele apertar o pé no acelerador. João Crechéu entendeu que queriam incendiar o Jeep, ai parou e desceu com um facão nas mãos zangado perguntando: “Quem é o corno que quer incendiar o meu Jeep? ”
“Com o tempo eu trabalhava com meu sogro e acompanhei a luta dele. Possuía algumas casas e trocou até casa por pães”. Contou que uma das casas, ele trocou com seu pai por um relógio de mulher. “Aquela ali – diz apontando para uma pequena casa -” vizinha a que pertenceu a João César, foi de João Crechéu. No final de vida ficou sem nenhuma casa. Foi vendendo, vendendo e aí ficou assim”, completa Passinho. Outro que conheceu de perto João Crechéu foi José Pereira de Carvalho, 69 anos de idade, conhecido por Passinho. “Logo quando cheguei aqui com 11 anos de idade ele já estava numa casinha ali embaixo matando porco, carneiro, bode e vendendo fogos de artifício. Se algum cliente chegasse à noite e dissesse seu João quero quatro quilos de carne de porco. Ele não tinha mais carne fresca de porco, porque já vendera tudo. Só tinha salgada. Aí ele providenciava matar um porco para vender a carne para você.”
Disse ainda Passinho que “ele perdeu muito dinheiro porque guardava em casa, às vezes debaixo de colchões e em caixas, e com os planos econômicos lançados durante os governos de Color, Sarney e Fernando Henrique mudaram a moeda algumas vezes e o que tinha guardado perdia valor.”
Relatou ainda Passinho que “quando ele fez a cirurgia azia questão de mostrar que estava enxergando tudo. Como meu bar ficava defronte ao dele de quando em vez gritava: Taco, oh Taco! Aí, respondia: Diga seu João. Então ele dizia alguma coisa, como por exemplo me dê aquele cd que você estava ouvindo. Aí eu dava e ele se deliciava com as músicas bregas, enquanto tomava umas”.
Certa vez, a esposa Edelzuita Nascimento chegou e o flagrou bebendo. Ele tinha olhado para um lado e outro e não vira ninguém. Então levou o copo à boca foi quando Edelzuita gritou: Bebendo né? Foi aí que seu João Crechéu indagou: “É o cão que está lhe avisando? ” Em seguida falou: “Olhei de um lado para o outro e estava tudo limpo. Aí você apareceu do nada!”
Outra história é que ele estava bebendo com José Pereira do Nascimento, o Zé Cutelo, e os dois já cheios de cerveja resolveram ir de Jeep até o Raso. Na saída da cidade Zé Cutelo que vinha dirigindo bateu o carro numa cerca de Antônio de Pedro Costa. Ele desceu para ver o estrago que tinha feito, e ao descer virou-se para Zé Cutelo, seu companheiro de farra e compadre, e gritou: “Compadre você quer me matar? Cabrunco da peste, quer me matar?”.
O comerciante Marcos Morais, 62 anos, viveu uma história interessante com seu João Crechéu. Marcos, tinha uns 15 anos de idade e trabalhava no
Aí – narra Marcos – resolvi pregar uma peça em seu João Crechéu. Peguei duas notas e juntei ficou parecendo com Cr$1000,00. Comprei uns produtos e ele me deu o troco. Dias depois percebeu, que tinha me dado o troco a mais aí virou-se para mim dizendo mais ou menos assim: ” Você veio se vingar de mim, não foi? ” Aí demos boas gargalhadas. Seu João era um homem muito trabalhador e honesto. Tudo isto aí foi uma brincadeira entre nós.”Os dias se passaram e Marcos Morais colocou duas peles de carneiro no sol para secar, e no final do expediente esqueceu de recolher. No dia seguinte ficou sabendo que seu João Crechéu tinha guardado, junto com as dele que estavam também no sol para secar. Quando foi perguntar pelas duas peles a resposta foi de que não tinha guardado nada. depósito do seu pai Ferreira Gama que negociava com peles de animais. O depósito era localizado defronte a bodega de João Crechéu . Um certo dia comprou uns produtos na bodega e ele deu o troco que Marcos colocou no bolso sem conferir. Acontece que nesta época João Crechéu estava enxergando pouco devido a catarata. Quando depois foi conferir o troco notou que estava faltando. Voltou e explicou a João Crechéu que lhe dera o troco a menos, mas ele não aceitou complementar o que estaria faltando. Esbravejou e Marcos resolveu deixar pra lá.
Lembrou Marcos “que tem um cearense chamado seu Lunga que ficou famoso em todo o país por ficar irritado facilmente. Este seu Lunga virou até um personagem de humor. E seu João Crechéu tinha um pouco de seu Lunga porque se irritava facilmente. Se a pessoa fosse pechinchar ou botar algum defeito na mercadoria ficava logo aborrecido e dizia tem nada ai para vender mais não, e não queria mais conversa como cliente “, concluiu.
NR- Meus agradecimentos a Hamilton Rodrigues por colher alguns desses depoimentos, inclusive fazendo a checagem de informações para que possa escrever e narrar os fatos procurando chegar mais próximo da verdade possível.