*Reynivaldo Brito
Zé da Floresta é uma figura icônica dessas que encontramos em cidades do interior que se prezam. É forte, baixo, meio careca e um exímio contador de histórias de suas caçadas, conquistas e feitos nas trilhas de jipeiro, forrozeiro e tocador de pandeiro, fazedor de cachaça que “levanta defunto”. Além de dono de bodega onde se fofoca de tudo, fundador de time de futebol e de clube social, pequeno produtor rural, compadre de mais de trinta afilhados, enfim, vá lembrando de alguma atividade que o nosso personagem estará presente. O seu bar que os amigos e frequentadores preferem chamar de bodega, tem o nome oficial de Bar Zé da Floresta, e logo depois que ele abre por volta das 8 horas da manhã já vão chegando os primeiros cachaceiros que já dormem pensando na primeira dose para abrir o apetite para café da matinal.
Seu nome de batismo é José Alberto César, filho de Quintino Francisco Cezar e Ana Francisca Santos Cesar, casado com Maria Madalena e pai de um casal de filhos Joseilda, “que Deus levou”, como ele diz, e Jorgivan, que o ajuda na bodega. Nasceu em 15 de novembro de 1942, portanto, tem 79 anos de idade. Conta ele que “quando vim pra Ribeira do Pombal trabalhei na bodega de Agostinho, na Rua do Cemitério Velho. Depois saí fui para São Paulo, onde fiquei apenas um ano, e resolvi voltar. Tornei a trabalhar junto com o Agostinho, mas ele tinha dez filhos, e a bodega não vendia o suficiente para sustentar a família grande dele e eu já tinha vontade de casar. Não dava. Daí fui trabalhar como ajudante de pedreiro. Isto foi no ano de 1970. Quando casei saí de lá e meu amigo seu Tidinho arrumou para comprar este ponto. Ele comprou e ainda me emprestou CR$1 mil. Isto foi em 1º de fevereiro de 1971. Aí vim trabalhar e até hoje estou aqui. Já quebrei umas três vezes, e me levanto, e assim a vida segue. São 50 anos de luta neste local”.
Caçador – Aí começam as histórias de caçador. Lembra que “tinha uns sete anos de idade quando meu avô conhecido por Zé Cariri me levou para rastrear u peba para a gente comer. Fomos esperar o peba, e aí ele o matou e o comemos. Fui crescendo e sempre meu avô me levava nas caçadas. Era muito respeitado como um bom caçador. Meu pai não queria que eu caçasse, mas meu avô continuou me levando. Meu pai era filho de um caçador conhecido, mas era contra eu caçar. Não teve jeito. Meu avô me levava, e pronto, virei caçador”.
Diz que Zé da Floresta “já era bom de bodogue. Levava as balas feitas de barro e contava se desse 10 balas, quase sempre trazia para casa dez caças abatidas. Matava muitos preás e passarinhos também. Aos 13 anos comecei a atirar de espingarda e até hoje só sei atirar o animal no chão. Nunca acertei em nambus e codornas voando. Só no chão. Matei também muitos tatus, e acompanhava meu avô que caçava com um cachorro.”
Ai Zé da Floresta lembra de uma história curiosa. “Tomei um choque com uma cascavel enorme que até hoje estou doente”. Dá uma gargalhada. “Já era casado. Meu pai foi para Cova eu resolvi subir numa árvore para esperar um veado para atirar. De repente apareceu uma nambu então atirei e matei. Desci para pegar e pelar a nambu, quando acabei de pelar, deitei para descansar. Quando acordei vi uma cascavel grande lembendo minha perna aqui”, e aponta o lugar na perna. “Só vi a língua dela aqui. Não vi nada mais. Dei um pulo e me agarrei no tronco da árvore. Olhei, ela estava deitada. Aí fiquei olhando e resolvi não matar a cobra. A cascavel não me mordeu, portanto, não tinha porque matar. Então resolvi voltar pra casa”. A gente não sabe se o destemido Zé da Floresta não matou a cascavel por generosidade ou medo.
Diz o nosso personagem que matou muitos veados,”tinha dia que a gente matava dois e até três veados. Existiam muitos caititus, cotias, cágados,jacus,nambus,perdizes,tatuís, tatuís, zabelês, araquãs, dentre outros animais. Outro dia contei 33 araquãs na minha roça, que tem muita comida. Eu chamava e elas não vinham, são muito bravas. Desde 1990 que não caço mais”.
De repente lembra que em 1985 matou uma onça suçuarana na localidade de Muriti, que fica no tabuleiro entre as cidades de Ribeira do Pombal e Tucano, hoje ocupado por pastagens. E continua: “A onça tinha sido baleada por alguém e quando a encontrei atirei. Quando pesamos tinha 40 quilos!”
Quando perguntado por quê do nome Zé da Floresta lembra que antes era chamado de Zé de Quintino ou Zé de d. Azinha, meus pais, que eram do sertão. Mas, os amigos que trabalhavam aqui no Banco do Brasil o Palmeira e o Paulo quando vinham me procurar cadê o Zé? Voltavam: cadê o Zé? E a resposta era sempre a mesma: Foi pro mato caçar. Ai resolveram colocar este apelido de Zé da Floresta.
Quando abri o comércio eles quase me obrigaram a colocar este nome de Bar Zé da Floresta, e assim mandei fazer a placa com o nome escolhido pelos amigos. O Palmeira fez até uma música que tem esses versos:
É Lídia, Margarida ou Guiomar?
Como chamamos o dono deste bar?
Faz putaria usando força bruta!
Zé da Floresta é um homem ou uma puta?
O bar de Zé da Floresta tem de tudo, só falta moral
É o lugar mais devasso de Ribeira do Pombal.
E em seguida dá uma gostosa gargalhada.
Em relação ao Visgueira Clube e Lazer tudo começou no bar de José Américo Souza Silva, que era conhecido por Bebequé, já falecido, que ficava na Avenida Evência Brito, vizinho a casa de Sebastião Costa, seu Basto Costa. Certo dia ele vendo que diariamente vinham àqueles mesmos fregueses inclusive alguns bancários, e só saiam “puxando fogo”. O Basto Costa um dia disse:” Eta visgueira braba!”
Acontece que no dia 11 de outubro de 1982 resolvemos criar um time de futebol de society e quando chegou a hora de escolher o nome lembraram da expressão de Basto Costa. Então batizamos o time de Visgueira. A ideia de criar o time foi de Nazareno. Nos reunimos e foi formado time que jogou nos anos seguintes. Depois alguém teve a ideia de comprar um terreno para fazer as instalações do clube. Tinha o filho do prefeito Américo Passos, aí o prefeito era Pedro Rodrigues que foi procurado e decidiu comprar o terreno.
“A Prefeitura comprou e nos doou o terreno e fomos em frente”, conta Zé da Floresta. Antes já tínhamos olhado um terreno de Pedro Tibúrcio, depois surgiu este outro terreno à venda que o prefeito comprou e fez a doação. Convidamos o Ubiratan César Rocha para fazer parte do grupo. Ele aceitou ser o presidente do clube e fomos vender títulos. Eu vendi uns cem títulos, e nas férias dele ficou trabalhando para levar a ideia do clube adiante. Iniciamos a construção em 1984, levantando um banheiro e algumas paredes. Como não tinha dinheiro para cobrir, fizemos uma cobertura de palha de ouricurizeiro.”
Adianta Zé da Floresta que “os membros do grupo sugeriram que eu tomasse um empréstimo em meu nome. Tomei o empréstimo por dois anos, mas como era pouco não deu para terminar a construção. Foi íque Antônio Choque também colocou uma parte do dinheiro. Trabalhamos em 1984 e 1985 na maior amizade do mundo. Em 1986 o presidente do Visgueira foi reeleito e vendemos mais títulos. Cheguei a vender mais 300 títulos. No final de 1986 peguei mais 100 e sempre vendia no mês. Numa sexta-feira, quando terminava o prazo estipulado para acabar a venda dos títulos consegui vender mais três. Aí fui entregar a ele os cheques das vendas. Ele olhou pra mim e disse ” hoje é o último dia não recebo cheque, só dinheiro.” Diz Zé da Floresta que “expliquei que um dos cheques era do colega e primo dele, funcionário do Banco do Brasil, onde trabalhavam. Mesmo assim, não recebeu. Então fui devolver os cheques contrariado. Sabe que sou azuado! Decidi deste dia pra cá não querer mais negócio com ele. Em princípio de 1987 o Ubiratan Cesar Rocha renunciou e assumi o clube.”
Depois deste episódio, marcou uma convocação e contou com a assinatura de vários sócios. Quando chegou a hora da reunião João de Alfredo indagou o porquê da intervenção? O Zé da Floresta roubou? Não, responderam, então pronto! João de Alfredo não permitiu que a reunião prosseguisse e deste dia pra cá nunca mais pisei por lá”.
O forrozeiro – Quanto aos Amantes do Forró o Zé da Floresta após deixar o clube Visgueira no ano 2000, não tinha mais andado em festa. ” Aí apareceu amigo que gostava de sanfona e eu de pandeiro. Isto foi em 3 de junho de 1996. Ele me convidou para a gente organizar uma festinha de São João. Convidamos Antônio José Borges, o Coió; Narciso, Zé Eronildes e formamos uma diretoria, e saímos andando com 15 pessoas. Já em 1997 arranjamos um caminhão de Daniel e saímos com 30 pessoas. No ano seguinte arrumamos um trenzinho e aumentamos para 50 pessoas. Muita gente queria. Fizemos até 2008. Em 2009 foi Coió que assumiu e daí em diante outros saíram. Aí resolvi registrar em 2012 e daí organizavam com minha autorização; em 2009 foi o filho do Ronaldo que organizou.
Em 2010 e 2011 foi Zé Carrara e de 2012 foi o Gilmar. Em 2019 tinha uma audiência e não pude providenciar os papéis e ele se aborreceu. Preparei tudo para sair em 2020, mas veio a pandemia e tivemos que suspender. Em 2022 espero retomar a festa. Já tenho 52 inscritos querendo sair. Espero a ajuda da Prefeitura e dos comerciantes. Para os amigos o Zé da Floresta é um exímio pandeirista. A noite inteira batendo o pandeiro dói.”
O jipeiro das trilhas – Tem Jeep desde 1990 quando comprou de João Santo. Sempre rodando com o Jeep por aí.” Quando foi em 2018 resolveu juntamente com alguns amigos fazer uma trilha. Lembra Zé da Floresta que passou algum tempo sem viajar com o Jeep. “Mesmo assim decidi fazer a trilha e completei o percurso 100 km. Fizemos a segunda e a terceira. Chegamos a reunir uns 30 carros.Tinha fusca, carros de 4 x 4 dentre outros veículos . Na última vez fomos até o Raso da Catarina num local chamado de Ralatinha, onde tem uma estação de energia eólica. A gente fez o acampamento lá. Fizemos a primeira em 17 e 18 de novembro de 2017 a terceira foi 14 e 15 de dezembro de 2018. ”
O seu amigo Narciso Cardoso Rodrigues, de 74 anos de idade, tem uma amizade forte com Zé da Floresta desde o ano 1970. “Começamos andando pelo mato caçando, naquela época não era proibido. Caçamos muito juntos e assim a amizade foi se fortalecendo. Pegávamos e matávamos alguma caça, mas era coisa pouca, só mesmo para nosso consumo. Nunca vendemos caça. Muitas vezes saímos daqui na sexta-feira e só voltávamos na terça-feira ou quarta-feira. Ia eu, ele, Espinosa, Waldemarzinho e Nono de Zé Ernestino. na maioria das vezes consumia ali mesmo o que caçava.”
“O bar dele sempre foi bem frequentado e tem muito respeito, nunca houve confusão”, afirma Narciso. Portanto, os versos da música feita pelos amigos é apenas brincadeira, nada de negativo acontece no bar de Zé da Floresta.
“Outra coisa, muitas das vezes íamos caçar sem levar espingarda. Levávamos enxada e uma pá para cavar e tirar areia dos buracos dos tatus e outros animais que se escondiam em tocas. Quase nem usávamos espingarda. Eles cavavam e eu tirava a terra. Sempre a gente caçava mais durante à noite caçando tatús. vez numa noite pegamos cinco tatus, lá na localidade de Bom Jardim. O cachorro acuava e a gente começava a cavar até encontrar de dois a três metros de fundura. Algumas vezes o formigueiro onde o tatu fez a toca era fundo demais e ele conseguia fugir”, diz Narciso Rodrigues.
Já o João Evangelista Silveira de Oliveira, que é escrivão da Vara Cívil, de 58 anos, também amigo e frequentador do Bar de Zé da Floresta. Quando a gente chega no bar e ele está ocupado fazendo alguma coisa, e aí pedimos algo. Ele diz, “vá lá e pegue.” A gente pega a cerveja, a cachaça, anota, e quando quer pagar paga, e pega o troco. Aí começamos a tocar o violão, e o Zé da Floresta vem com seu pandeiro animar o ambiente. Ele bota o cotovelo e a cabeça no pandeiro, faz suas patacoadas. O Zé da Floresta é um cara muito animado e querido por seus amigos”.
De repente, João Evangelista lembra que foram convidados no último dia 16 de outubro deste ano para ir a um forró de um amigo, e ele tocou pandeiro daqui até lá e voltou tocando. Voltando não! Garanto que foi tocando daqui até lá. Na volta deu uma cochiladazinha legal”, e dá uma boa rizada.
Tem uma lenda conta o amigo que “quando alguém está preocupado que tem muitas cobras na roça e quer espantá-las chama o Zé da Floresta. Ele vai nos quatro cantos da roça e faz uma reza, e no outro dia não fica uma cobra na roça. Tem gente que sai de Canudos, de Uauá. O dr. Antônio Fernandes de Oliveira, o ex-juiz daqui tem roça no Uauá e veio buscá-lo para rezar a fim de espantar as cobras. Não ficou uma sequer”.
NR – Agradeço a Hamilton Rodrigues por sua busca constante pelas histórias destes personagens que identificamos e vamos reunindo dados e depoimentos, além de fotos. Aproveito para solicitar a compreensão e ajuda de parentes e amigos das pessoas focadas. Isto é importante, porque fica registrado para sempre, fará parte da História social e econômica da nossa Ribeira do Pombal.