*Edouard Levé
Você lê dicionários como outras pessoas leem romances. Cada entrada é um personagem, você disse, que pode ser encontrado novamente em outra rubrica. As múltiplas parcelas são construídas ao longo da leitura aleatória. Dependendo da ordem, a história muda. Um dicionário se parece mais com o mundo do que com um romance, pois o mundo não é uma sequência de ações, mas uma constelação de coisas percebidas. Observa-se, vários objetos não relacionados se juntam e a proximidade geográfica lhes dá sentido. Se os eventos acontecem, acredita-se que é uma história. Mas num dicionário o tempo não existe: ABC não é nem mais nem menos cronológico que BCA. Descrever sua vida em ordem seria um absurdo: lembro de você ao acaso. Meu cérebro ressuscita você através de detalhes aleatórios, como alguém tira bolinhas de gude de um saco.
Edouard Levé
Suicídio