*Cleber Pacheco – Escritor, Ensaísta, Professor de Literatura, Colaborador de Navegos.
A antologia Ficções Fricções Africções (Editora Mares do Sul, Florianópolis, 1999), de Franklin Jorge, é a revelação de um autor preocupado com o humano em todas as suas manifestações. Da criança ao velho, do pilantra ao intelectual, da mais simples criatura até o artista, todos passam pelas lentes cuidadosas desse “entrevistador de almas” (segundo Antônio Carlos Villaça).
Nada é pouco ou muito. Todos merecem atenção e interesse. A riqueza das criaturas, mesmo as sórdidas como Rato Encardido, são a preocupação e o alvo do escritor de Natal que toma um posicionamento não de dissecador nem de distanciamento irônico, nem de condescendência. Ele mostra, ao contrário, que todos são dignos do nosso olhar e ultrapassando os critérios de aprovação/desaprovação, sem qualquer laivo de indiferença, o que é uma benção numa época tão desumana e fria, como a que suportamos.
Até em Ensaios Mínimos, um texto delicioso sobre um filósofo. Montaigne não é escolhido por acaso. Observando o mundo ao redor (pessoas, animais, coisas), quase de “modo informal”, longe de ser sistemático como alguns de seus pares, Montaigne presta atenção a tudo e suas reflexões englobam todo o dicionário.
De modo lúcido e sucinto, Franklin Jorge apresenta-o com presteza. “Seu oficio consiste em viver em plenitude a circunstância”. Sua simpatia pelo autor de Ensaios não é aleatória: ambos se encontram no olhar abrangente sobre o que existe. Qualquer manifestação de vida exige o deter-se sobre ela. “Suspender o juízo” a respeito de seres e coisas seria um modo de reencontrá-los.
Outra personagem, Alek, um menino, desperta-nos a simpatia em sua relação com o mundo natural, descrito com poesia e vivacidade, com o próprio corpo e as sensações originadas de um ambiente dinâmico e envolvente que nos recupera o sentimento de estar-no-mundo.
Há também em seu livro um lugar para os esquecidos da sorte ou dos outros homens, como Palmira; e os vilarejos distantes, ricos de personagens, histórias, experiências, num contexto onde ainda é possível encontrar a bondade.
O tempo marca o afogamento e a ressurreição das “memórias hospitaleiras”; acumula aprendizagens; desfaz nomes; possibilita um novo interesse aos que viveram no ostracismo e se renova através das histórias orais. O povo simples encanta e mostra que tem algo a dizer. Não há lugar para o simplório em Ficções Fricções Africções. Ouvi-lo (a esse autor potiguar) rende frutos; conhecê-lo, um aprendizado.
Em síntese, cabem aqui as palavras do citado filósofo francês: “Este mundo tão grande que alguns ampliam ainda com as espécies de um gênero, é o espelho em que nos devemos mirar para nos conhecermos de maneira exata”.