*Franklin Jorge
A professora Iracema Dantas dá-me notícias de personagens da cultura goiana e das amizades que conquistei e tenho mantido há mais de 30 anos. Alguns, amigos e objeto de admiração e apreço intelectuais ainda em plena atividade, escrevendo, pintando, criando e produzindo; outros já revertidos em poeira e planeta. atenta à cena cultural, por seu intermédio fico sabendo que o escritor Antônio José de Moura, aos 80 anos, já não escreve mais. E, corroborando suas palavras, mostra-me o recorte amarelecido da entrevista concedida ao jornal Opção, em 11 de junho de 2012, na qual se queixa que fora abandonado pelo espírito da literatura. Por tanto, só lhe restara a alternativa de não escrever mais.
Estamos diante de mais um caso de escritor abandonado pela Musa ou que renuncia a escrever? Que abdicou da virtude de indignar-se, escrevendo, e/ou do direito de insurgir-se contra a escritura do mundo e seus infernos interiores? Moura vive desde então em um sitio nos arredores de Goiânia, onde sempre viveu desde que aportou aqui, vindo se de Mambaí. Recolhido ao silencio, em seu refúgio rural, parece o autor de Sete léguas de paraíso, sua obra mais significativa, uma dessas misteriosas personagens de Vilas-Mata, um escritor que cultiva o estranhamento e insondáveis segredos existenciais.
O tema da renúncia à escrita não é estranho à literatura. Desde o exemplo notório de Sallinger, que se retirou do mundo da literatura após o grande sucesso que obteve com O semeador no campo de centeio, vivendo desde então recluso como o francês Henri Michaux. Vilas-Mata explorou em um de seus livros o tema do escritor que renuncia ao ato de escrever. Ou que foi abandonado pela Musa e não escreve mais. De fato, se não somos tolos, sabemos que haverá um dia em que pararemos para pensar e pesar a escritura que resulta de um ato capaz de fazer do homem um ser superior; um ato do pensamento, segundo Antenor Laurentino Ramos. autor do “Memorial da Anta Esfolada” [Feedback, 2013], em entrevista à Fanpage da Editora Feedback.
Lembro-me de nossa conversa que tivemos em 1989, num fim de tarde, no apartamento da atriz Sandra Simon, a algumas quadras do Bosque dos Buritis, quando Moura relatou sua determinação de, em data pré-fixada, deixar a redação do jornal em que escrevia. Moura, que machucara o pé jogando futebol, fazia-se acompanhar do filho Montezuma. Ele contou-me que havia decidido deixar o jornal para dedicar-se, justamente, aos livros e em particular ao romance, que pretendia escrever ou estava escrevendo, inspirado numa figura messiânica que contaminou Goiás e promoveu um conflito armado de grandes proporções que precisou ser desmantelado pela força policial. Foi um encontro fecundo que resultou em um dos capítulos de O ouro de Goiás.
Seus colegas não acreditavam nessa determinação do escritor, de abandonar a redação numa certa data. Alguém propôs uma aposta contra a possibilidade de cumprimento desse compromisso íntimo. Moura aceitou o desafio e apostou com os colegas. Ganhou, nessa aposta, uma caixa de cervejas de um colega que não acreditara nesse compromisso íntimo, firmado com o próprio interessado com ele mesmo, de a partir daquele momento passar a se dedicar exclusivamente a produzir sua literatura, e não a jornais que com a sua desumana rotina de trabalho anestesia o talento literário.
Moura estreou em livro em fins dos anos de 1970 com Notícias da terra, que li ao ser publicado, por empréstimo da escritora Alcyone Abrahão, então residente em Natal onde parara de suas andanças em território nacional para dar forma ao que seria Não Coloque o Macaco Diretamente Sobre o Pavimento, livro que registra suas impressões dum Brasil profundo. Devorei-o, deliciado com essa prosa cheia de verve e entremeada de verdades incomodas a expressar a realidade com fluência e contundência exemplares.