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Um espetáculo judiciário

Com o início dos julgamentos pelos atos de 08/01, temos no Brasil um processo semelhante ao ocorrido em relação aos grandes julgamentos históricos. Há pontos que precisam ser considerados – e muita lamentação!

*Percival Puggina

[email protected]

Tomou-me tempo, escrever este artigo. Quando o dei por pronto, encarei, olho no olho, cada adjetivo. Passei a peneira nos superlativos e diminutivos. Não satisfeito, me debrucei sobre os advérbios (às vezes, eles encerram verdades que ferem vaidades). Por fim, chequei os fatos e as interpretações dos fatos, etapa após a qual fiquei tentado a voltar atrás e repor os adjetivos suprimidos… Resisti. Ei-lo aqui, pronto para os leitores, a quem digo concordar em quase tudo com os advogados e em quase nada com os ministros que aprovaram aquelas desmesuradas penas.

Faço tal afirmação apesar de não ter formação jurídica, por ser perfeitamente capaz, assistindo cena de vida real ao longo de dois dias, por horas a fio, como fiz durante o julgamento, de identificar objetivos, estratégias e sentimentos que os protagonistas expressaram. Assim também, sei que o parágrafo inicial deste artigo, logo aí acima, fala de autocensura. Ela é consequência da censura e das interdições, bem como de excessos que não estiveram ausentes do “espetáculo judiciário” dos dias 13 e 14.

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Após a IIª Grande Guerra, o Tribunal de Nuremberg iniciou seus julgamentos em novembro de 1945 e os encerrou em outubro de 1946, apreciando 185 casos, tendo absolvido os réus em 35 deles. Na URSS, em especial nos anos de 1936 a 1938, foram promovidos inúmeros julgamentos públicos da elite política. Os réus também eram classificados em pacotes: o dos “mentores” (a elite original do comunismo soviético), dos “infiltrados” na burocracia do regime e dos “propagadores” de ideias antirrevolucionárias no meio da população. Stalin espetacularizava esses julgamentos como forma de impor a ética revolucionária à sociedade soviética. O STF, por sua vez, tem mil e tantos processos para julgar, tendo condenado até agora os três primeiros réus.

É bastante evidente que estes julgamentos iniciais cumprem uma finalidade semelhante à dos grandes julgamentos da história política. São eles: 1º) consolidar uma compreensão política da atualidade nacional segundo a perspectiva majoritária da corte; 2º) exibir seus argumentos e difundir os adjetivos que a Corte aplica à conduta dos réus; 3º) explicar que os presos estão sendo julgados ali por conexão, nos mesmos inquéritos, com réus que têm foro privilegiado; 4º) explicar a visão da folgada maioria da Corte sobre o que ela chama de “amplo cenário” e “crimes multitudinários”, redundando no arrolamento dos réus nos mesmos crimes, independentemente do que cada um estivesse a fazer no local dos fatos.

No entanto, o tal “cenário completo” reiteradamente mencionado, mas muito especialmente enfatizado pelos ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, é uma – apenas uma e convenientemente escolhida – das visões políticas que se pode ter dos acontecimentos. Existem outros cenários, todos mais amplos, nos quais o próprio Tribunal é parte ativa. Aliás, ativista, tendo contribuído para a formação de um ambiente psicossocial muito negativo, muito tóxico, no país. Estou falando de bem mais de uma centena de decisões contra o governo anterior envolvendo, inclusive, teses sem acolhida no parlamento e deferidas pelo STF a pedido de legendas sem representatividade alguma. Nada demarca tais intervenções melhor do que o veto à nomeação de pessoa indicada por Bolsonaro para a Direção-Geral da PF. Somem-se, ainda, as ações junto às redes sociais e seus usuários, as manifestações políticas dos ministros e o tom em que muitas foram proferidas, as invasões de competência, os inquéritos sem fim e por aí vai, como exemplo de cenário mais amplo.

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Assim como percebo tudo isso, também percebi, desde sempre, a impropriedade e a inexequibilidade da intervenção militar, bem como a estupidez do ato convocatório para concentração em Brasília. Indignou-me instantaneamente a destruição que se seguiu. Como pode alguém ser assim tão burro, fazendo imenso mal a si mesmo e grande bem a seu adversário em poucas horas? Num outro viés, intrigam-me ainda hoje o abandono da praça pelas forças do Estado, as imagens que vejo, as imagens que vazam, as imagens que somem e a conduta dos parlamentares da base do governo na CPMI.

Não é difícil compreender que alguns advogados tenham transposto certos limites que desconheço porque pouco sei do linguajar forense, mas há a esse respeito considerações indispensáveis: 1ª) nenhuma agência de publicidade convidaria o ministro relator para lançar uma campanha contra discurso de “ódio”; 2ª) os advogados já sabiam o que iria advir para seus clientes porque as questões levantadas pelo Dr. Sebastião foram negadas quase unanimemente pelo plenário; 3ª) os réus eram culpados em amplo espectro por tudo que coubesse no tal “cenário” escolhido, mesmo que tivessem ficado sentados num banco; 4ª) o trem dos prisioneiros já partira rumo a seu destino; 5ª) não é difícil entender que os dois últimos defensores expressassem a emoção que tantos estavam a sentir naquele momento; 6ª) a emoção não era suprimível do espetáculo; 7ª) de algum lugar precisavam emergir sentimentos humanos; 8ª) era a homenagem às vítimas de um excesso monumental, cujas penas a si aplicadas não eram absorvidas no crime maior e superavam a máxima prevista no Código Penal para crime de estupro; 9ª) é impiedoso reprovar a emoção alheia, especialmente a emoção de uma alma feminina.

Os momentos de irresignação, comoção e lágrimas foram os traços visíveis de humanidade no espetáculo judiciário dos dias 13 e 14.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.